A Resolução nº 05/2020 do CNDH como instrumento de construção democrática de uma política pública brasileira

Texto por: Ana Laura Figueiredo

Dando sequência à série sobre a Agenda Nacional, nesse post abordaremos a resposta da sociedade civil ao Decreto nº 9.571/18, concretizada pela Resolução nº 05/2020 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). A resolução foi publicada no dia 12 de março de 2020 e passou a estabelecer Diretrizes Nacionais para uma Política Pública sobre Direitos Humanos e Empresas.

                                     

 

Antes de descrever as diretrizes, o texto enumera bases teóricas e normativas que foram consideradas em sua elaboração, o que já diverge da construção do Decreto nº 9.571/18 que desconsiderou o acúmulo existente sobre o tema. Entre as considerações feitas é possível destacar os princípios e direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, os pactos em que o Brasil é signatário e determinações da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além dos aspectos normativos, está explícito no texto a preocupação com relatórios e notas técnicas construídos pela sociedade civil ou que pelo menos houvesse sua participação.

Cabe destacar que a produção do documento contou com a participação direta da sociedade civil e que, inclusive, foi debatido durante o VI Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas, que ocorreu em 2019 no Rio de Janeiro. Esse seminário foi organizado pelo Homa em parceria com o CNDH, tendo atuado também na elaboração da minuta-base e no assessoramento do órgão em todo o processo.

Principais Diretrizes estabelecidas

Entre as diretrizes gerais se estabelece a supremacia dos direitos humanos e o papel do Estado como provedor e protetor desses direitos, assim, também o coloca como responsável por garantir o acesso à justiça, ressaltando que as soluções de conflitos devem ser baseadas no princípio da centralidade do sofrimento da vítima. Esse princípio garante a participação ativa das comunidades atingidas na elaboração de mecanismos de reparação e prevenção para que as violações não se repitam. É importante ressaltar que o texto determina que o reconhecimento dos atingidos sempre ocorrerá através do princípio da autodeterminação, o que vai contra à inversão do ônus da prova adotada pelo Decreto nº 9.571/18 e melhor analisada no último post

Outro aspecto muito importante abordado no documento é o reconhecimento da desigualdade de poder entre os agentes envolvidos como medida de proteção, por isso, algumas diretrizes tratam do assunto determinando que o Estado deve assegurar a eficácia de instrumentos legais para acesso à informação e não deve permitir que comunidades e ativistas sofram qualquer tipo de perseguição ou criminalização. 

As obrigações das empresas estão principalmente relacionadas à coibição da violação de direitos humanos em toda a cadeia de produção e à reparação rápida e integral de qualquer violação detectada. Essa determinação, junto a outras, demonstra a preocupação desta resolução com a transparência dos processos e a responsabilização das empresas. 

O escrito é claro ao determinar os encargos de cada agente e também é preciso quando faz referência aos recortes de gênero, raça e classe que devem ser feitos para uma reparação justa. As diretrizes que se referem aos mecanismos de reparação determinam inclusive que o argumento do forum non conveniens, que significa incompetência do juízo, não é admissível mesmo em casos de violações fora do território nacional. Por fim, determina a especificidade de tratativas feitas com povos indígenas e comunidades quilombolas, pois estas devem respeitar a cultura, as crenças e o modo que se organizam, o que evidencia a necessidade de consulta prévia, livre, informada e de boa fé. 

Exposição de motivos

Para finalizar o documento, como anexo à Resolução nº 5/2020, faz-se uma exposição de motivos que levaram a sua elaboração, entre eles estão as violações de direitos humanos por empresas ocorridas em território nacional. Os exemplos mais conhecidos são os rompimentos da barragem de Fundão em Mariana/MG e de Córrego do Feijão em Brumadinho/MG. Junto aos casos citados é exposto um resumo da Agenda Global e como o contexto pós- Reforma Trabalhista e Decreto nº 9.571/18 revela a necessidade de um documento que proteja efetivamente os direitos dos atingidos no Brasil.

No próximo post trataremos do processo de elaboração de um Plano Nacional de Ação brasileiro, bem como da necessidade de uma construção democrática participativa.

Glossário

  • Decreto Federal: norma ou ordem criada pelo Presidente da República que se comportam como lei (mas não podem violar nenhuma lei, que é hierarquicamente superior) e podem criar regras mais específicas para uma legislação geral  
  • Resolução: é um ato administrativo que cria normas que partem de autoridades, mas não do chefe do Poder Executivo, através das quais disciplinam certos assuntos.
0 respostas

Deixe uma resposta

Quer participar da discussão?
Fique a vontade para contribuir!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.