O que são Direitos Humanos e Direitos fundamentais?

Direitos Humanos e direitos fundamentais

Texto por: Renata Guarino

Os termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais” são mencionados a todo momento, muitas vezes como sinônimos ou então sem muita análise sobre seu verdadeiro significado. Até mesmo em nossa Constituição Federal vigente, promulgada no ano de 1988, as diferenças entre direitos humanos e direitos fundamentais não são muito claras. Ainda assim, a chamada “Constituição cidadã” foi a primeira Carta Magna brasileira a fazer referência aos direitos fundamentais em seu famoso artigo 5º, ainda que de uma forma genérica (link para epígrafe do título II, e artigo 5º parágrafo 1º).

Mas, afinal, há alguma diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais?

A teoria clássica liberal jusnaturalista entende que tanto direitos humanos quanto direitos fundamentais surgem a partir da suposta existência dos direitos naturais, ou natural law, como era reconhecido na legislação romana. Contudo, é preciso levar em consideração que, independentemente de estarem relacionados, os direitos fundamentais e sua teoria podem destoar dos direitos humanos, pois aqueles são fundados no pacto constituinte que integram interesses parlamentares, enquanto estes são baseados, em princípio, em um viés internacionalista e pro-persona. Por isso a importância da sua diferenciação. 

De maneira geral, os direitos fundamentais são os direitos reconhecidos e assegurados de maneira constitucional por um determinado Estado, enquanto que os direitos humanos tem relação direta com os documentos de Direito Internacional. 

Direitos Humanos e direitos fundamentais no Brasil

O marco do processo de internacionalização de direitos humanos, que passariam a contar com certa proteção internacional, foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada no ano de 1948 no âmbito da ONU. O documento surgiu como um instrumento não vinculante, ou seja, não havia cumprimento obrigatório para seus signatários naquele momento. Ainda assim, esse documento foi apenas o primeiro de uma série de tratados que viriam a surgir nas próximas décadas, como os Pactos de Direitos Civis e Políticos e Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, e os Sistemas Regionais de Proteção (Europeu, Americano, e Africano). Hoje, a DUDH é considerada jus cogens no Direito Internacional, ou seja, de cumprimento obrigatório para todos, independente de assinatura/ratificação. 

Na América, o marco se deu duas décadas mais tarde. No dia 22 de novembro de 1969, ocorreu a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, na cidade de San José, Costa Rica, na qual foi subscrita a Convenção Americana dos Direitos Humanos. A convenção entrou em vigor em 1978, porém só em 1992 o Brasil ratificou o documento, que ficou conhecido como Pacto de San José da Costa Rica. O tratado compromete os países da OEA que o ratificaram com a proteção,  respeito e garantia dos direitos humanos, previstos no texto, que têm fundamento no atributo de pessoa humana, justificando uma proteção internacional de tais direitos. A Convenção também prevê que os Estados-parte têm obrigação de adequar suas normativas internas para a maior efetivação desses direitos. 

Com relação aos direitos fundamentais, a Constituição Federal de 1988 torna o Brasil um dos países com o mais completo ordenamento de direitos fundamentais em concordância com os direitos humanos. Ainda assim, o país apresenta um sistema que dificulta a internalização de tratados de Direitos Humanos, como ilustrado no grande tempo que o país levou para ratificar a Convenção Americana. 

Além disso, o Brasil também possui estruturas e instituições com sistemáticas e graves violações aos direitos humanos, como por exemplo as altas taxas de homicídios, principalmente da população negra, a violência policial, a violência sofrida pelos povos tradicionais, a situação do sistema prisional, e os flagrantes casos de violações e crimes cometidos por empresas, cujas vítimas não obtêm a devida reparação e acesso à justiça.

Reinventando os Direitos Humanos

Conforme já dissemos, a teoria clássica dos direitos humanos os defende como sendo direitos naturais, que são universais e indivisíveis, e aplicáveis a todos. Porém, esse pensamento se mostra insuficiente quando pensamos na realidade que nos é apresentada, principalmente no sul global, onde diversos grupos vulneráveis possuem seus direitos mais básicos sistematicamente violados. Hoje, muitos falam que enfrentamos a crise dos direitos humanos, com pouquíssimos tratados sendo subscrito nos últimos anos, e um constante ataque à multilateralidade e a direitos que já creíamos estabelecidos.  

O professor espanhol Joaquim Herrera Flores, em sua obra mais conhecida, “A reinvenção dos direitos humanos”, defende que esses direitos não devem se confundir com os documentos que os normatizam. Não são os tratados que os criam, e sim o processo de luta constante do povo que quer acessar a certos bens materiais e imateriais.

Sendo assim, os direitos humanos não seriam naturais, e sim produto de reivindicações, e podem ser a qualquer momento perdidos, o que nos leva a uma necessidade de nos comunicarmos sempre com a base para recuperá-los. São direitos que surgem de “baixo para cima”. Essa é uma forma crítica de pensar a teoria dos Direitos Humanos. 

Boaventura de Sousa Santos, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e também pensador da teoria crítica, percebe a construção atual dos direitos humanos como localismos globalizados, ou seja, elementos culturais sociopolíticos que partem de Estados hegemônicos e são associados e absorvidos por países periféricos, um tipo de globalização que parte de-cima-para-baixo.

Porém, assim como Herrera Flores, Boaventura acredita que é possível torná-los efetivos. Para isso, seria necessário estabelecer uma ligação entre as diferentes culturas e entendimentos sobre emancipação pessoal e social. De acordo com o autor, todas as culturas são incompletas e possuem problemáticas, desta forma o diálogo entre culturas é ferramenta essencial para trabalhar a elaboração de um sistema de Direitos Humanos efetivo, formado, claro, de baixo pra cima. 

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