Lei de Devida Diligência Alemã

Devida Diligência: uma realidade normativa na Agenda de Direitos Humanos e Empresas

Texto por: Ana Laura Figueiredo

Nessa nova série do blog vamos abordar o instituto da devida diligência, incorporado pelos Princípios Orientadores da ONU, e algumas normativas, aprovadas ou em discussão, que se tornaram referência para o estudo do tema e buscam transformar sua aplicação. Desse modo, iremos analisar a Lei Francesa de Vigilância (Loi de vigilance), a Diretiva da União Europeia (Directive on Corporate Sustainability Due Diligence), a Lei de Devida Diligência Alemã (Act on Corporate Due Diligence Obligations in Supply Chains) e, por fim, outros instrumentos normativos que não tratam exclusivamente de devida diligência, a exemplo do PL 572/2022, tópico de outra série em que explicamos a Agenda Nacional e seu processo de construção.

Nesse post vamos analisar a Lei de Devida Diligência Alemã (Act on Corporate Due Diligence Obligations in Supply Chains) que está diretamente ligada ao novo projeto do Homa, o desenvolvimento da pesquisa “Repercussões da Lei de Devida Diligência Alemã no Brasil” que conta com financiamento da Embaixada da Alemanha.

Contextualização 

Em 2016, a Alemanha estabeleceu seu Plano Nacional de Ação para internalizar os princípios orientadores do John Ruggie, normas de caráter voluntário que regulam o tema de Empresas e Direitos Humanos. Contudo, após uma pesquisa realizada pelo governo, que averiguou que apenas 13 a 18% das empresas seguiam as disposições, constatou-se a necessidade de adotar uma normativa vinculante sobre o tema. Desse modo, foi estruturada a Lei de Devida Diligência Alemã em razão da influência de propostas e leis em vigor sobre o tema pelo continente Europeu, como a Lei de Vigilância Francesa já analisada em outro post. Cabe mencionar que a promoção da lei se deu em grande medida graças a articulações de setores estatais e à grande mobilização da sociedade civil que ficou conhecida como “Iniciativa de Setembro”. 

Assim, a  normativa alemã foi aprovada pelo parlamento alemão em junho de 2021 e entrará em vigor a partir de janeiro de 2023, estabelecendo uma ampliação do escopo de proteção de direitos humanos e do meio ambiente. 

Aplicação e escopo da Lei 

No que se refere à sua aplicação, o texto abrange empresas que têm sede ou filiais na Alemanha, o que inclui aquelas registradas no estrangeiro e também as filiais das empresas alemãs instaladas em outros países, e atingirá a cadeia de fornecimento, ou seja, empresas de fornecimento direto ou indireto. Em relação ao número de funcionários, até o final de 2023 ela atingirá empresas com pelo menos 3000 trabalhadores, sendo o número reduzido para 1.000 a partir de 2024, o que inicialmente aponta para o enquadramento de 600 empresas alemãs. 

Cabe mencionar que o instrumento é amplo no que se refere ao escopo dos direitos humanos e do meio ambiente abrangidos. Em matéria de direitos humanos estão previstos trabalho infantil, trabalho forçado, escravidão e trabalho análogo, desrespeito aos padrões de segurança do trabalho, desrespeito ao direito de livre associação, discriminação contra empregados e trabalhadores, negar uma remuneração decente, violações de direitos humanos ligados a danos ambientais, remoção ilegal de pessoas e apropriação ilegal de terras, florestas e águas e, por fim, uso de violência por parte das forças de segurança. No que diz respeito ao meio ambiente, o escopo é restrito e o que existe é uma preocupação quanto à poluição do solo e da água por atividades que utilizam mercúrio. 

Obrigações de Devida Diligência 

Das obrigações listadas, as empresas deverão estabelecer um sistema de gestão de risco; designar alguém responsável na empresa; analisar os riscos regularmente; emitir declaração de política; estabelecer medidas preventivas em sua própria área de negócios e a respeito dos fornecedores diretos; tomar medidas corretivas; estabelecer um procedimento de reclamações; implementar obrigações da devida diligência em relação aos riscos de fornecedores indiretos; e documentação e relatórios. 

A lei também estabelece a criação ou adequação de canal de denúncia que respeite a confidencialidade, a produção de relatório anual de devida diligência que deverá ser disponibilizado de maneira gratuita e que seja de fácil acesso, além de prever medidas sancionatórias em caso de descumprimento, como a vedação da participação em licitações e contratos públicos por até 3 anos e multas. Por outro lado, a lei não prevê nenhum tipo de responsabilidade no campo do direito civil, cabendo a judicialização em outras esferas. 

Pontos sobre a aplicabilidade  

Algumas questões da lei são tratadas com certo receio pela sociedade civil e por aqueles que aguardam o início de sua implementação, como já foi mencionado, a lei não é capaz de gerar responsabilização civil e as sanções previstas são administrativas, como multas e exclusão de contratos públicos. 

Outra questão está ligada aos principais pontos para o alcance da cadeia de suprimento,  que são a área de atuação, os fornecedores diretos e os fornecedores indiretos. A problemática está na responsabilização de fornecedores indiretos mediante comprovação de conhecimento substancial pela matriz, o que pode gerar certa insegurança pela falta de precisão do termo.   

Por último, é importante considerar como se dará a atuação do BAFA, que é o Departamento Federal de Economia e Controle das Exportações da Alemanha, já que a lei o designou como responsável pela auditoria dos relatórios produzidos pelas empresas, mesmo ele não sendo específico de direitos humanos. Além dessa função, o órgão poderá realizar o monitoramento de ofício ou mediante provocação, sendo que, nesses casos, as empresas serão obrigadas a fornecer informações e documentos solicitados. 

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