Diretiva da União Europeia

Devida Diligência: uma realidade normativa na Agenda de Direitos Humanos e Empresas

Texto por: Ana Laura Figueiredo

 

Nessa nova série do blog vamos abordar o instituto da devida diligência, incorporado pelos Princípios Orientadores da ONU, e algumas normativas, aprovadas ou em discussão, que se tornaram referência para o estudo do tema e buscam transformar sua aplicação. Desse modo, iremos analisar a Lei Francesa de Vigilância (Loi de vigilance), a Diretiva da União Europeia (Directive on Corporate Sustainability Due Diligence), a Lei de Devida Diligência Alemã (Act on Corporate Due Diligence Obligations in Supply Chains) e, por fim, outros instrumentos normativos que não tratam exclusivamente de devida diligência, a exemplo do PL 572/2022, tópico de outra série em que explicamos a Agenda Nacional e seu processo de construção.

Contextualização

Nesse post o foco de análise será a Diretiva da União Europeia, Directive on Corporate Sustainability Due Diligence ou Diretiva de Devida Diligência para Sustentabilidade corporativa, que atualmente segue sob análise para aprovação pelo Conselho e Parlamento Europeu após um movimento realizado pela Comissão de Justiça da União Europeia. Esse movimento foi a realização, no início de 2020, de uma consulta pública a respeito da existência de intenção para o desenvolvimento de uma legislação obrigatória de devida diligência em matéria de direitos humanos para a UE. Com o apoio do grupo de trabalho sobre Direitos Humanos e Empresas da ONU, após um longo período de discussões e com o final da consulta, a proposta foi encaminhada para aprovação e, caso isso ocorra, cada Estado Membro terá dois anos para incorporar a diretiva e comunicar as produções legislativas nacionais de adequação à Comissão.

Antes mesmo de surgir tal necessidade, a União Europeia já havia emitido diretivas relacionadas ao tema, a exemplo da Diretiva 2014/95/EU que trata da divulgação de informações referentes a questões de meio ambiente, sociais e de tratamento dos funcionários, de respeito aos direitos humanos, de anticorrupção e de diversidade na composição dos conselhos de administração  por empresas públicas com mais de 500 funcionários. Junto a ela, é válido citar a Resolução do Parlamento Europeu sobre a Iniciativa nº 2016/2140 da União Europeia, na qual existe a recomendação pela adoção, no setor têxtil, de uma legislação obrigatória de devida diligência em direitos humanos

Principais Pontos da Diretiva 

No que se refere ao texto da Diretiva proposta, sua aplicação está restrita a empresas com mais de 500 funcionários e faturamento global de 150 milhões de euros e a empresas com mais de 250 funcionários e faturamento superior à 40 milhões de euros se metade do que representa o negócio for proveniente de setores de alto risco como o setor têxtil, agrário e mineral. Desse modo, a diretiva alcança apenas grandes empresas, o que representa cerca de 1% das empresas da União Europeia, já que a maioria delas se enquadra como pequena ou média. Quanto a países terceiros, as empresas afetadas seguem a regra de ter faturamento de 150 milhões de euros ou de 40 milhões de euros para empresas do setor de risco.

Outro ponto que merece destaque é a obrigatoriedade do estabelecimento de um plano junto à atribuição de deveres a um diretor que deverá acompanhar a implementação dos processos de devida diligência. Tais processos serão realizados por meio de supervisão administrativa e responsabilização civil que estão a cargo dos Estados-membros, já que esses devem designar autoridade para supervisionar e fiscalizar, além de garantir a indenização das vítimas em caso de descumprimento das obrigações de diligência. Cabe mencionar que a atividade dos administradores deverá ser regulada por normas internas em vigor, à medida que a diretiva não prevê a execução em caso de descumprimento das obrigações atribuídas aos administradores.  

Em relação à proteção do meio ambiente, o texto não traz aprofundamento de marcos já existentes como o Acordo de Paris, apenas replicando as metas estabelecidas, além de não prever regras mais claras quanto à responsabilização. Do mesmo modo, o texto não traz melhoras no que diz respeito ao acesso à justiça e à reparação integral. Assim, organizações e movimentos sociais que buscam o fim da impunidade corporativa temem que a proposta seja apenas um instrumento para evitar normativas mais rigorosas quanto à proteção dos direitos humanos, servindo, então, para beneficiar as próprias empresas. 

Indústria de gás em Cabo Delgado

Situado na região norte de Moçambique, Cabo Delgado é sede da indústria de gás que, por meio de empresas transnacionais, realiza a extração e exploração de combustíveis fósseis às custas de violações de direitos humanos com a perda dos meios de subsistência das comunidades, da destruição do meio ambiente e do agravamento da crise climática. É válido mencionar que a instalação dessas empresas se dá por meio de concessões do Estado, cujo governo é alvo de denúncias de corrupção. 

A Justiça Ambiental (JA!) e o Amigos da Terra Internacional estão envolvidas no caso na tentativa de garantir os direitos dos atingidos e atingidas, que até então representam cerca de 550 famílias que foram deslocadas e se encontram em situação de insegurança alimentar, já que perderam a possibilidade de viver da agricultura familiar e da pesca ao serem colocadas em espaços que não dão acesso ao mar e representam parcela mínima das dimensões de seus territórios locais. 

Além da clara violação de direitos com a realocação da comunidade sem o direito ao consentimento, a militarização do local por requisição das empresas transnacionais representa uma propagação da violência. Junto à exposição da integridade física das comunidades, a instalação das empresas gera perigos à saúde e ao meio ambiente. Cabe mencionar que houveram diversos casos de violência contra jornalistas e a região foi epicentro da pandemia do COVID-19 em Moçambique, o que demonstra a grande incidência de injustiça social e violência.  

A aprovação da Diretiva da União Europeia teria grande impacto no caso, à medida que as empresas envolvidas possuem sede em diversos países do bloco, sendo elas a Eni multinacional italiana do mercado de energia, a Total, que é francesa e uma das maiores empresas petrolíferas e a Galp, empresa portuguesa também no ramo de energia. Também estão envolvidas Anadarko, Shell, ExxonMobil, Chinese National Petroleum Corporation, Bharat Petroleum, Korea Gas Corporation e Mitsui que, no entanto, não seriam afetadas pela lei.

No próximo post da série daremos sequência à análise de normativas sobre devida diligência em matéria de direitos humanos dando enfoque àquelas não específicas e que trazem disposições sobre o tema. Desse modo, vamos trazer pontos sobre o PL 572/2022 (Lei Marco Nacional de Direitos Humanos e Empresas), a Lei de Escravatura Moderna do Reino Unido (UK Modern Slavery Act) e a Lei Holandesa de Devida Diligência sobre Trabalho Infantil (Dutch Child Labour Act). 

 

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