Convenção 169 da OIT
Texto por: Beatriz Braga
Prosseguindo com a série de publicações sobre Povos Indígenas e a Agenda de Direitos Humanos e Empresas, é imperioso tratar sobre a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do ano de 1989, que representa um divisor de águas no que diz respeito a um instrumento internacional de proteção dos direitos indígenas.
Breve Contextualização
Como visto anteriormente, a luta dos povos indígenas pelo reconhecimento de seus direitos não é recente. É através do processo histórico e persistente de mobilização política que eles têm conseguido posicionar seus direitos na legislação Internacional e interna dos Estados.
Nesse sentido, o posicionamento internacional quanto à causa dos direitos indígenas começa a se delinear através das Nações Unidas, com a criação de Grupos de Trabalhos e elaboração de estudos, cujo objetivo era estabelecer uma referência internacional quanto aos direitos desses povos.
Dos trabalhos desenvolvidos internacionalmente destacam-se dois grandes marcos como instrumento de proteção legal: a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados Independentes, que foi a primeira a reconhecer os direitos coletivos desses povos, e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), que consagra seu direito à livre determinação. Em questão de direitos mínimos de referência internacional a serem reconhecidos pelos Estados, podemos falar no direito à não discriminação, à integridade física e cultural, direito à autodeterminação, ao livre desenvolvimento e bem-estar cultural.
Relevância da Convenção
A convenção nº 169 é o instrumento internacional mais completo em relação às condições de vida e de trabalho dos povos indígenas. Ela materializa a evolução quanto ao reconhecimento dos direitos coletivos desses povos, de sua ligação especial com a terra, que supera a ideia de uma simples posse. Este reconhecimento tem especial relevância no atual contexto, em que, das várias violações sofridas pelos povos indígenas, vem crescendo a extração dos recursos naturais, por parte de empresas nacionais e transnacionais, e também a execução de projetos que alteram o ecossistema das regiões de convivência desses povos. Em muitos casos, os povos indígenas não são despejados mas sofrem interferências por empresas que os expõe a uma forma diferente de vulnerabilidade.
Assim, a Convenção nº 169 supera a ideia do direito moderno, cujo objetivo era promover a ‘integração’ progressiva dos indígenas ao modo de vida urbano, e se assenta no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas à terra e aos recursos naturais, ao seu livre desenvolvimento e a sua integridade, tanto física quanto cultural, com o propósito de assegurar sua participação efetiva na tomada de decisões que afetam seus costumes e espaço.
Como um tratado internacional, sua vigência no âmbito interno dos países depende de sua ratificação pelos Estados, contudo, tendo sido feito isso, ela adquire caráter vinculante. Quanto a isso, desde que foi criada, 23 países já ratificaram a Convenção nº 169 e, dentre estes, 15 países são latino-americanos. No caso do Brasil, a ratificação formal da convenção aconteceu em 2002, seguindo o Decreto Legislativo de número 143 do Congresso Nacional.
Dificuldades na implementação dos direitos já reconhecidos
Apesar do avanço que a Convenção nº 169 representa para o reconhecimento e implementação de mecanismos legais de proteção dos direitos de povos indígenas e tribais, não se pode deixar de ressaltar os problemas que as comunidades indígenas ainda enfrentam apesar dos dispositivos normativos existentes.
Para começar, o processo de negociação da Convenção não contou com ampla participação dos povos indígenas em sua elaboração, apesar de eles terem manifestado sua vontade em participar, o que levantou questionamento quanto à legitimidade da Convenção já em sua origem. Ademais, o direito de consulta e participação na tomada de decisões, que é um dos pilares da Convenção tem apresentado falhas em sua aplicação: estudos apontam para os riscos reais de os processos de consulta incorrerem em mera formalidade, manipulados por empresas para legitimar condutas que não se alinham com o interesse dos povos indígenas. Juan Cárlos Ruíz, Advogado do Instituto de Defesa Legal (IDL), ao analisar sobre a aplicação desse direito no Peru, apontou que, no país, os processos de consulta se transformaram em mera burocracia, não havendo interesse do Estado em realmente proceder de forma alinhada aos interesses dos povos.
No Brasil, que também é signatário da Convenção, a superintendente do Fundo Brasil de Direitos Humanos, Ana Valéria Araújo, fez o seguinte apontamento em entrevista ao jornal O Globo:
“A gente tem um país onde Direitos Humanos são violados de formas muito diversas. Basta olhar para os Povos Indígenas, que estão em uma situação absolutamente difícil de disputa territorial, com questões que há tempos tinham sido superadas voltando à tona nos últimos dois anos, fortalecidas pelo discurso do governo de que é preciso desenvolver a Amazônia a qualquer custo,” ressalta.
Os povos indígenas e tribais ainda estão entre os povos mais pobres e enfrentam muitas dificuldades no mercado de trabalho. Portanto, apesar da relevância da Convenção 169 e da evolução no tratamento legal dos povos indígenas, muito ainda deve ser feito para criar uma real rede de proteção, visto que são visíveis as falhas nas vias burocráticas atualmente atuantes. Nesse sentido, a mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais é fundamental para evitar que governos desmontem as estruturas vigentes de proteção dos indígenas e para garantir a implementação dos direitos, já reconhecidos pelos países signatários da Convenção 169.
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