Marco nacional de Direitos Humanos e Empresas: PL 572/2022
Texto por: Ana Laura Figueiredo
Como último post da série sobre a Agenda Nacional, Marco Nacional de Direitos Humanos e empresas: PL 572/2022 e os limites dos Planos Nacionais de Ação existentes, vamos analisar o processo de construção desse projeto de lei levando em consideração o histórico da Agenda, que foi detalhado nos últimos posts, além de descrever sua estrutura, principais pontos do conteúdo e desdobramentos da sua apresentação perante os órgãos legislativos e a sociedade civil.
O texto foi construído a partir de um estudo do Homa com o apoio da Fundação Friedrich Ebert Brasil e contou com a colaboração de várias organizações da sociedade civil como CUT, MAB e Amigos da Terra Brasil, além de movimentos sociais e parlamentares. O Projeto de Lei foi assinado por Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Áurea Carolina (PSOL/MG), Carlos Veras (PT/PE) e Helder Salomão (PT/ES) e protocolado no dia 14 de Março, data significativa por ser o Dia Internacional da luta dos atingidos por barragens.
Com esse panorama é possível perceber que a elaboração ocorreu por meio de um processo democrático participativo, o que já difere dos processos constitutivos dos Planos Nacionais de Ação existentes e do projeto brasileiro perseguido pelo governo, que foi exposto no post anterior. Dessa forma, com o intuito de se opor à proposta que institui a voluntariedade dos princípios orientadores, desconsidera o acúmulo da Agenda Nacional e falha na representatividade democrática, o PL 572/2022 foi apresentado em uma coletiva de imprensa no dia 29 de março para divulgar a Agenda e garantir apoio popular e parlamentar para sua adesão.
Campanha pela aprovação do PL
Cabe ressaltar que a busca pela aprovação dessa Lei Marco acompanha os esforços para a consolidação de um Tratado Internacional de Empresas e Direitos Humanos, que ao final do ano passado passou pela 7ª Sessão de Negociação no Conselho de Direitos Humanos em Genebra, com exposição da 3ª versão do Draft.
A campanha intitulada “Essa terra tem lei – Direitos para os povos, obrigações para as empresas” foi construída pelo GT Corporações, grupo de trabalho da sociedade civil, e teve seu lançamento na Sede da CUT em maio de 2022 e durante o encontro do MAB durante o 10º Fórum Pan-Amazônico (FOSPA).
Estrutura e principais pontos do PL 572/2022
O primeiro capítulo, que institui disposições gerais, busca estabelecer a necessidade de responsabilizar toda a cadeia produtiva, já que quando se trata da estrutura das empresas transnacionais e do seu modelo de produção fica evidente a fragmentação dos processos até o produto final e, assim, aumenta-se a probabilidade de violação de direitos humanos em diferentes territórios e de grandes corporações alegarem desconhecimento enquanto aumentam seus lucros. Outro tópico relacionado às cadeias de produção é a discrepância entre países do norte e sul global com a chamada corrida para o fundo do poço, ‘race to the bottom’, isso porque os países do sul estão mais suscetíveis a acolher filiais, conceder benefícios fiscais e licenciamentos ambientais com base em um discurso de busca por desenvolvimento que não traz melhorias para a vida das pessoas e acaba destruindo territórios. Essa lógica do capitalismo financeiro fortalece o que chamamos de arquitetura da impunidade e escancara a assimetria jurídica, econômica e política entre os atingidos e as empresas, fazendo com que essa responsabilização seja de extrema importância.
A primazia dos direitos humanos está muito clara no texto e um dos pontos que merece destaque é o direito ao consentimento, que vai além do direito de consulta prévia, livre e informada, pois permite a participação efetiva e o respeito pelos territórios e pelos saberes dos povos quando consideramos a influência da interseccionalidade nas escolha dos espaços para instalação das empresas.
No segundo capítulo são estabelecidas as obrigações das empresas e do Estado e a ideia de mitigação dos direitos por parte das empresas, que foi introduzida pelas diretrizes dos princípios orientadores, é substituída pela obrigação de respeitar e não violar. A garantia de reparação integral, baseada na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é assegurada como mecanismo de superação da responsabilidade social corporativa, assim, o automonitoramento também é deixado de lado e se concede maior poder de fiscalização aos sindicatos, o que demonstra um aprofundamento e uma ampliação nesse quesito que antes era regido apenas pela devida diligência.
Já o terceiro capítulo, que determina os direitos das pessoas, grupos e comunidades atingidas, tem seu texto baseado na Resolução nº5/2020 do CNDH e cobre lacunas relacionadas à reparação integral, indo além da recuperação pecuniária. O reconhecimento da hipossuficiência dos atingidos e atingidas, que acompanha a assimetria de força entre eles e as empresas, é importante para que o instituto da inversão do ônus da prova seja aplicado. É de extrema importância compreender que aqueles que têm seus direitos violados não são meros objetos de processos judiciais e devem ser reconhecidos como sujeitos de direitos. Desse modo, é assegurado o reconhecimento da coletividade nos territórios para garantir representações coletivas que atendam as especificidades dos povos e é instituída a adoção do princípio da centralidade do sofrimento da vítima, consolidado por decisões do jurista Antônio Augusto Cançado Trindade.
No quarto capítulo aprofunda-se o tema dos mecanismos de prevenção, monitoramento e reparação e busca-se a inversão da lógica de poder, o que garante maior protagonismo dos atingidos. Esse protagonismo pode ser percebido na determinação da gerência de um Fundo que deverá ser criado pelas empresas em casos de violação para atender as necessidades básicas dos atingidos até a reparação integral.
Por fim, o PL 572/2022 apresenta suas disposições finais e o que merece ser destacado de seu conteúdo como um todo é a tentativa de radicalização democrática dentro da Agenda Nacional de Direitos Humanos e Empresas, marco importante e essencial para a luta da defesa dos direitos humanos no Brasil e no mundo.
Próximos passos
Até o momento o projeto já passou pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) e foi redistribuído para a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) e para a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviço (CDEICS).
A tramitação do projeto ainda está em andamento, assim, a série continuará de acordo com a evolução do processo na Câmara dos Deputados até o momento da votação. Analisaremos os desdobramentos e a campanha pela aprovação do PL 572/2022 levando em conta o cenário político em torno da Agenda de Direitos Humanos e Empresas no Brasil.
Acompanhe também nossas redes para ficar por dentro das agendas e atividades da campanha nacional pela aprovação do PL: “Essa terra tem lei – Direitos para os povos, obrigações para as empresas”.
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