Homa realiza mais uma edição do Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas
O VI Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas, organizado pelo Homa, Centro de Direitos Humanos e Empresas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e com o apoio da FES-Brasil, ocorreu nos dias 11 e 12 de novembro de 2019 no auditório da CUT-RJ, na Av Presidente Vargas, 502, no Rio de Janeiro-RJ.
O evento contou com 21 painelistas, sendo 3 deles internacionais (Uruguai, Colômbia e Argentina). Entre os palestrantes, esteve presente o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a deputada argentina Júlia Perié, do Parlamento do Mercosul, o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e o Procurador Federal chefe do Grupo de Trabalho sobre Direitos Humanos e Empresas do MPF, bem como a liderança indígena do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) e um atingido pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão ligado ao MAB. A composição do corpo de painelistas do seminário evidencia a abrangência e importância do mesmo para o debate de violações de Direitos Humanos cometidas por empresas no Brasil, contando com a participação de representantes da sociedade civil, da academia e do Estado.
Nesse sentido, cumpre ressaltar que o evento foi realizado em parceria com o CNDH, de modo que a Sessão da Comissão do CNDH responsável por discutir a resolução do Conselho sobre a política nacional sobre Empresas e Direitos Humanos foi realizada durante o evento. Portanto, mais uma vez, o seminário organizado pelo Homa se mostra como evento de grande importância no cenário nacional para a discussão do tema.
Confira abaixo um resumo sobre as falas de cada um de nossos painelistas:
PAINEL I – MINERAÇÃO E DIREITOS HUMANOS
Profª Dra. Karine Barbosa (GEPSA/UFOP)
Dá início aos trabalhos, agradecendo aos organizadores. Inicia sua fala lamentando os acontecimentos na Bolívia, que culminaram na deposição do presidente Evo Morales, relacionando os fatos ao processo histórico de colonização e violação de direitos que ocorre em toda a América Latina. Apresenta os demais integrantes da mesa (Profª Raquel Giffoni, do PoEMAS; Profª Tatiana Ribeiro, do GEPSA; Dr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, procurador da República – MPF; Tchenna Maso, do MAB; Thomaz Nedson, atingido pelo crime ambiental da Vale ocorrido em Brumadinho. Passa a palavra ao Dr. Edmundo.
Dr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior (MPF)
Inicia sua fala buscando na história brasileira (ciclo do ouro, séc. XVIII e modo de produção de base escravagista) os antecedentes dos desastres que vivenciamos contemporaneamente na Mineração. Começa a relatar o caso do crime ambiental da Samarco em Mariana (MG) e faz uma crítica ao TTAC (2016), que foi uma resposta imediata não satisfatória, já que não consultou as populações atingidas. Faz uma crítica à entrevista do atual governador de Minas Gerais à Folha de SP, em que menciona que “há um excesso de preciosismo que dificulta a atuação da Renova”. Essa fala do governador faz crer que os responsáveis pelas consequências do desastre são os atingidos e as instituições que estão buscando a efetiva responsabilização da empresa.
Cria-se uma lógica de culpabilização dos atingidos e das instituições que lutam pela reparação integral. Há a existência de um cadastro sem a participação dos atingidos, que a própria Renova quer suspender (como se fosse necessário encerrar o cadastro para se iniciar a reparação). A Renova é um jogo de imagem, que serve de anteparo para a imagem das empresas. Quem fala em juízo é a Samarco.
Com o TAC Governança se assegura pela primeira vez assessorias técnicas independentes em todos os territórios. Anteriormente, através de acordos pontuais, apenas três assessorias técnicas atuavam em alguns territórios (Cáritas, Mariana; AEDAS, Barra Longa; Centro Rosa Fortini, Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce e distrito de Chopotó). Mas serão as empresas que irão custear as assessorias.
Segundo o Dr. Edmundo, as assessorias técnicas e o “auxílio financeiro emergencial” (a despeito das críticas ao termo) foram parâmetros construídos a partir do aprendizado com o crime ambiental de Mariana que devem ser seguidos em Brumadinho. Há projeto de lei (PL 2788) tramitando no Senado, já aprovado pela Câmara, procurando estabelecer marcos normativos específicos com parâmetros de reparação.
Finaliza sua fala defendendo um instrumento internacional vinculante (tratado) sobre Direitos Humanos e Empresas, que supere o paradigma dos princípios orientadores. E cita um poema de Carlos Drummond de Andrade, que questionava as atividades da mineração predatória em Minas Gerais.
Profª Dra. Tatiana Ribeiro (GEPSA/UFOP)
Faz também uma crítica ao golpe na Bolívia. Afirma haver dois riscos ao tratarmos sobre Direitos Humanos e Mineração: o efeito orquestra e o efeito cordeiro. O efeito orquestra seria tratar de forma prospectiva o tema dos Direitos Humanos enquanto vivemos um tempo de discursos avessos aos Direitos Humanos e de criminalização dos defensores e das defensoras de Direitos Humanos. Funcionaríamos como uma “orquestra do Titanic” se apenas discutíssemos o tema sem qualquer conexão com os acontecimentos. Já o efeito cordeiro é uma metáfora utilizada em Marx e Engels em “A ideologia alemã”, em crítica aos neo-hegelianos. Seriam “cordeiros em pele de lobos”, pois se apresentavam como muito ruidosos, mas eram pouco efetivos em produzir resultados. Não há outra expressão melhor para definir o atual momento do que reconhecermos que estamos em guerra. Pela disputa de subjetividades e narrativas.
Aponta que as empresas têm conseguido ser muito eficientes em capturar as subjetividades. Isso passa pela força do dinheiro e da propaganda para realizar publicidade positiva. A todo momento, há uma propaganda da Vale no rádio indicando o que tem sido feito por Brumadinho. Nessa disputa de narrativas, está vencendo quem tem mais recursos para divulgar sua versão dos fatos e encobrir a realidade.
Para a Profª Tatiana, essa divulgação das iniciativas de reparação pelo crime ambiental deveria ser proibida. Como nas propagandas de cigarro, mencionada uma advertência que se trata de uma responsabilização pelo crime cometido.
Algumas conquistas, como a assessoria técnica independente, continuam a ser discutidas pelos representantes das empresas. É um princípio elementar, que será fundamental para que os atingidos e as atingidas possam contar com um auxílio técnico. Encerra sua fala, porém, com um incentivo para que continuemos em um processo de luta por direitos. Como diz Frei Betto, “devemos guardar o pessimismo para tempos melhores”.
Profª Dra. Raquel Giffoni (PoEMAS/IFRJ)
Sua fala reforça a existência da disputa de narrativas. Indica que a narrativa dos Direitos Humanos tem sido incorporada pelas empresas como forma de encobrir os graves crimes cometidos. Principalmente a partir dos anos 2000, com o superciclo das commodities, as empresas passam a ter acesso cada vez maior a água, terra, alimentos, não só no Brasil como na América Latina. Paralelamente, houve uma nacionalização dos debates sobre a mineração no Brasil e a consolidação de movimentos sociais que começaram a debater o tema da mineração.
As empresas começam a criar departamentos que atuam na esfera da disputa das narrativas, cuja estratégia é obter o apoio estatal, bem como das comunidades locais. Os Princípios Orientadores da ONU, embora tenham sido um avanço em certa medida, se mostraram frágeis e redigidos na lógica das iniciativas empresariais, do gerenciamento de riscos.
Segundo alguns autores, a discussão do due diligence foi informada por essas práticas de gerenciamento de riscos das empresas. O dito “risco social corporativo” é enfrentado pelas empresas através de tecnologias como o investimento da incerteza científica. Há investimentos em “contra-ciência”.
Por exemplo, a Hydro Alunorte compartilhou um estudo da Universidade Federal de Campina Grande, feito por pesquisadores que tem uma trajetória muito próxima com o setor mineral, que concluía não ter havido transbordamento de rejeitos em Barcarena e que a empresa poderia voltar a operar. E tentou criminalizar o pesquisador do Instituto Evandro Chagas.
A linguagem do risco faz com que sejam gravemente violados os Direitos Humanos das comunidades. Encerra sua fala alertando sobre as recentes iniciativas empresariais, que têm contratado cientistas sociais e outros profissionais para justificar iniciativas e disputar narrativas com os movimentos da sociedade civil.
Tchenna Maso (MAB)
Indica que a mineração é uma “ferida aberta” da América Latina, constituindo nosso “passado, presente e futuro”. É uma atividade emblemática dos cenários da superexploração do trabalho e da intensificação do avanço da acumulação de capital baseada na colonização da América Latina. Por pressuposto, é uma atividade violadora de Direitos Humanos.
Por exemplo, a mina Escondida do Chile, de controle da BHP, consome por dia o abastecimento de água suficiente para 5 milhões de pessoas. Segundo Relatório da OIT, a mineração é a atividade com o maior índice de violação de DH e com o maior índice de desigualdade de gênero no trabalho.
As mineradoras pagam de forma diferenciada conforme o país (Chile, Brasil ou Austrália). Trata-se de um modelo extremamente desigual. Recentemente esteve em uma assembleia de acionistas da BHP em Londres. Teve um minuto e meio para expor os problemas de saúde das comunidades contra quarenta e cinco de uma apresentação já preparada, com as iniciativas da Renova em que o projeto das casas do reassentamento de Bento Rodrigues era destacado (mas nunca saiu do papel).
O Estado socializa os riscos da saúde e do INSS enquanto as empresas seguem com seus planos. Muitas vezes trocamos o que efetivamente são “conflitos sócio-ambientais” pela palavra da “inclusão”. A oposição é necessária ao processo democrático e o que muitas vezes ocorre é a imposição do consenso, altamente violador.
Entre nossos próprios aliados há manifestações do conflito patriarcal. Há quem não tenha sensibilidade à realidade das mulheres atingidas, relatadas muitas vezes como histéricas ou que se excedem e se desequilibram em determinadas ocasiões. Não sabem o que efetivamente ocorre nos territórios.
Cada vez expomos mais os atingidos como indivíduos isolados, que passam a ter que lutar por si sós pela qualidade da água, pelo atendimento nas redes de saúde, etc. Trata-se de uma cidadania sacrificada pela dinâmica de tempo. As pessoas seriam massacradas no processo negociatório, mas nesse jogo brutal a dinâmica de tempo conta contra os atingidos.
Tchenna trata um paralelo entre os crimes ambientais de Mariana e de Brumadinho, indicando que no segundo caso houve uma identidade maior com os trabalhadores, dado o alto número de vítimas fatais entre os obreiros. Fazendo as contas da superexploração baseada na mais-valia, o que tem sido pago às famílias dos trabalhadores mortos equivale a três minutos e vinte segundos do tempo trabalhado equivalente ao que proporcionavam de lucratividade para a empresa.
Há um contexto que envolve ousadia e outros artifícios. Não se consegue responsabilizar as pessoas por não sabermos nem quem elas são, protegidas que estão pelo mercado financeiro. É preciso, segundo Tchenna, disputar o conceito de democracia fundada na soberania popular em detrimento das ideias de democracia como livre mercado. O momento histórico exige que busquemos além da “ética do possível”. Encerra sua fala resgatando os ensinamentos de Marighella para que tenhamos coragem de continuar a luta e avançarmos, mesmo diante do ocorrido na Bolívia e da eleição de Bolsonaro, que o povo brasileiro elegeu e que por isso devemos ter clareza de que não estamos em maioria. Devemos ter coragem e não termos a ilusão de que nas próximas eleições nossos problemas estarão resolvidos com a esperança de um Lula Livre, pois a batalha vai muito além disso. E devemos ter coragem de não desistirmos, já que essa luta será por no mínimo 50 anos.
Thomaz Nedson (Atingido de Brumadinho/MG)
Destaca que o rompimento de barragens é um problema mundial. E que, no caso brasileiro, todo o Estado de Minas Gerais sofre com a possível contaminação das bacias com futuros casos de mineração.
Indica que o site da Vale traz o compromisso da empresa com um mundo mais sustentável e o cuidado com a vida em nosso planeta, o que fica apenas no discurso. Ironicamente, diz que deve ser em Marte, pois na Terra “eles não têm o amor de garantir a proteção das áreas em que mexem”, em que atuam.
Os atingidos convivem com a angústia de estarem em um ambiente contaminado, com todas as consequências que isso trará para a própria saúde da comunidade. À época de sua fala, afirmou que dezoito pessoas ainda estavam soterradas pelos rejeitos da barragem de Brumadinho.
Com relação ao auxílio emergencial, reforça que a empresa atua na perspectiva de dividir os atingidos. Alguns cedem à empresa em nome da sobrevivência, mas há impactos na saúde das pessoas, como danos psicológicos, de saúde mental, respiratórios, alérgicos e diversos outros.
Afirma que por uma questão de ganância, os atingidos estão passando por esta situação. Para ele, o conceito de atingido deve ser ampliado para todos os seres humanos, pois mesmo os que não estão no território serão prejudicados pela destruição de um belo espaço natural que perderão a oportunidade de conhecer.
Segundo Thomaz, “a Vale pensa que está fazendo um favor para nós, mas é o Brasil que sempre fez um favor para a Vale”. Ele ressalta que a Fiocruz realizou uma pesquisa apontando que o nível de contaminação da água do rio por mercúrio é 720 vezes maior. O mundo poderia olhar mais pela questão ambiental.
Conclui conclamando a continuar e expandir a luta, passando essa necessidade para mais pessoas. Segundo Thomaz, “choraremos hoje pela luta, mas agradeceremos amanhã por um futuro melhor”.
Profª Dra. Karine Barbosa (GEPSA/UFOP)
Traz reflexões sobre o aspecto do desastre, que oferece elementos televisivos e se constrói a partir do próprio modus operandi das empresas. A partir de uma base tentacular, toma conta do espaço de diversas instituições, capturando-as.
Em Minas Gerais, há diversas localidades (Barão de Cocais, Ouro Preto, Itatiaiuçu) que convivem com a necessidade de deslocamentos forçados pela iminência de novos rompimentos. Em reforço ao que Tchenna Maso mencionou, aponta que os crimes ambientais não prejudicaram os lucros recordes das empresas envolvidas. Finalizou a fala abrindo para comentários, perguntas e considerações dos presentes.
PAINEL II – AGENDA INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Profª Drª Cristina Terezo (UFBA)
A professora Cristina apresentou o consórcio de Programas de Pós-Graduação em Direitos Humanos, que foi estabelecido entre universidades de diversos países da América Latina (site: www.consorciodh.ufpa.br). Os estudos desenvolvidos pelo Consórcio tinham como foco analisar o trabalho das empresas mineradoras no continente.
No caso da UFPA, foram analisadas as atividades da Vale na Serra dos Carajás. Foram estudados os seguintes pontos: sistemas de controle das atividades, o deslocamento forçado de pessoas e outras violações da população local, e como as autoridades locais lidavam com esses conflitos. Foi produzido um Manual para Operadores do Direito e um guia através do grupo de trabalho.
O consórcio também organizou um seminário em abril/2019 na Corte Interamericana de Direitos Humanos como forma de sensibilizar o órgão para esta temática. De forma geral, a professora percebeu que eles estavam bem receptivos e interessados em estudar formas de atuar mais ativamente em casos de violações de Direitos Humanos por empresas. Ela menciona por exemplo o caso do Povo Indígena Sarayaku x Equador, na qual a sentença, apesar de não poder condenar a empresa diretamente, já prevê a solidariedade da responsabilidade pela reparação entre empresa e Estado.
Profª Drª Fernanda Bragatto (Unisinos)
A professora apresentou três casos estudados por seu grupo de pesquisa na Unisinos. O primeiro deles foi no Mato Grosso do Sul, onde terras indígenas foram ocupadas para produção agrícola em escala global. Houve muito conflito no local e foram registrados vários ataques armados de fazendeiros para intimidar o povo e a FUNAI, visto que o processo de demarcação acontecia. O que se observou durante o conflito foi a insegurança alimentar na região, além da dificuldade de responsabilizar a empresa produtora pelos ataques pela forte presença do véu corporativo e a diluição das responsabilidades ao longo de sua cadeia de produção. Os processos criminais estão completamente paralisados, o que demonstra a incapacidade e/ou desinteresse do judiciário brasileiro de lidar com estruturas complexas de transnacionais.
O segundo caso analisado foi a intenção de uma empresa supostamente brasileira, mas que na verdade era financiada por um banco de investimento canadense, de explorar minas de potássio em terras indígenas, utilizando-se da brecha de que as comunidades indígenas que ali habitavam viviam de forma esparsa. O MPF conseguiu, porém, barrar a atividade por falta de consulta prévia e utilização de licenças fraudulentas. Percebeu-se a importância da atuação preventiva e da construção de um protocolo antes da consulta prévia, pois esse protocolo estabelecerá diretrizes de como o povo indígena deseja ser consultado.
O terceiro caso analisado é o de investidores na indústria da carne, que estariam preocupados com as denúncias de irregularidades, desmatamento, trabalho escravo. Porém, a preocupação desses investidores é sanada com informações prestadas pela própria gestão da empresa, o que nos leva a pensar que não há forma de responsabilizar os investidores, blindando completamente aqueles que efetivamente financiam a atividade violadora, o que vai ao encontro da fala de Tchenna Maso no primeiro painel, que mencionou como a sociedade civil não tem participação nas reuniões de acionistas e investidores.
Auricelia dos Anjos (CITA)
Auricelia é liderança indígena do Conselho Tapajós Arapuim, e começou sua exposição fazendo um relato emocionado do momento que ela e outra companheira estão vivendo na universidade pública em que estudam, a UFOPA. O movimento indígena tem sido invisibilizado no contexto universitário, perdendo conquistas históricas. Na luta por reconhecimento dentro da instituição, as líderes foram vítimas de ofensas às suas pessoas e identidades como indígenas, e tentativa de criminalização e expulsão da instituição, o que demonstra muito do contexto atual dos movimentos sociais no Brasil. Nesse momento, foi feita a sugestão de que o seminário pudesse fazer uma moção de apoio e também o CNDH pudesse auxiliá-las nesta situação. Auricelia levantou que nem mesmo a Convenção 169 da OIT tem sido respeitada na região do Baixo Tapajós, e que há um movimento por parte do próprio governo do Pará para descredibilizar a identidade indígena de alguns povos, para que a demarcação da terra não possa ocorrer. Também há falhas na construção e interpretação dos Planos de Manejo dos territórios que são unidades de conservação.
Prof. Me. Pedro Gomes (UFMG)
Pedro aponta, de acordo com seus estudos, para a necessidade de ser enfrentada a questão da extraterritorialidade para uma responsabilização efetiva das empresas. Devido a sua estrutura complexa e capilaridade, as empresas estão em muitos Estados sob diferentes gestores e pessoas jurídicas, o que pode tornar sua responsabilização bem complexa. Pela regra geral, o processo deveria ocorrer no local da atividade e violação, mas muitas vezes isso se torna inviável pela falta de estrutura, ou pela retirada da empresa e de seus ativos da localidade, buscando evadir-se do cumprimento. Por isso, o professor ressalta a importância de se afastar a tese do forum non conveniens, ou seja, em que um foro por exemplo da sede da empresa pode recusar conduzir o processo por não ser o mais “conveniente”. Paralelamente, é preciso adotar a tese do forum necessitatis, também defendida pelo professor André de Carvalho Ramos, na qual mesmo o foro que não é o formalmente investido de competência poderia julgar o caso, pela necessidade da reparação devida às vítimas.
PAINEL III – PODER LEGISLATIVO E A AGENDA SOBRE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Moderador: Gonzalo Berrón (FES)
Faz agradecimentos aos presentes, apresenta os painelistas integrantes da mesa (Deputada Julia Perié, do PARLASUL; Deputado Hélder Salomão, do Partido dos Trabalhadores; Natália Carrau, da Confederação Sindical das Américas). Dá início aos trabalhos, passando a palavra à Deputada Julia.
Deputada Julia Argentina Perié (Partido Solidario, membro do PARLASUL)
Inicia sua fala expressando sua satisfação pela libertação de Lula e apresentando, em contrapartida, sua profunda indignação com o golpe da Bolívia. Apresenta a conjuntura da política boliviana, recentemente abalada com a deposição de Evo Morales e ressalta o interesse das potências estrangeiras nos recursos naturais do país.
Julia descreveu sua trajetória parlamentar na Argentina, antes de se tornar membro do PARLASUL. Enfatizou a importância de se adotar uma agenda sobre a temática dos Direitos Humanos e Empresas no âmbito do Parlamento Regional. Mencionou ainda trabalhar em parceria, dentre outros, com Lilián Galán, deputada uruguaia que esteve presente no V Seminário de Direitos Humanos e Empresas, realizado pelo Homa, em Juiz de Fora (2018).
Falou também sobre a “especial característica” dos governos latino-americanos serem frequentemente muito próximos das empresas. Nesse ponto, destacou a existência de diversos conflitos de interesse na Argentina, provocados pelo governo neo-liberal de Macri. Diversos funcionários de multinacionais assumiram como ministros, em clara manifestação do fenômeno das portas giratórias. Apontou ainda que empréstimos concedidos pelo Fundo Monetário Internacional foram revertidos para setores que não alcançam a população.
Ressaltou que muitas vezes os Estados não detêm suficientes instrumentos de controle que permitam coibir as violações de Direitos Humanos. Portanto, em seu entender, é preciso trabalhar o tema a partir da integração regional, que vive um momento de desconstrução.
Faz dura crítica ao Acordo celebrado entre o Mercosul e a União Europeia, já que a sociedade civil, diretamente interessada, não foi consultada. Expressa sua preocupação com as consequências práticas do acordo que, no seu entender, poderá gerar desemprego em massa e danos irreversíveis para nossos povos.
Deputado Helder Salomão (PT-ES, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados)
Faz agradecimentos aos organizadores, especialmente à Manoela (HOMA), Gonzalo (FES) e Ismael (CUT), enaltecendo a Central Única dos Trabalhadores por ter cedido o espaço para a realização do Seminário.
Destaca o atual momento político, ressaltando que a dita polarização não se dá em verdade entre grupos políticos, mas entre o governo e a sociedade brasileira. Inicia uma reflexão sobre o papel do Estado, que no seu entender não pode ser “mínimo”. Para o deputado, quanto menor for o Estado, mais violações de Direitos Humanos teremos.
Ressalta os retrocessos inseridos na legislação brasileira, tais como a terceirização da atividade-fim, a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência e expressa sua preocupação com a MP da Liberdade Econômica e o Programa Verde Amarelo, que precariza as relações de trabalho.
Aponta que em muitos casos as relações entre empresas e Estado são de conveniência. Para ele, a impunidade em relação às empresas ocorre, pois são encobertas pela grande mídia (ao contrário da classe política, frequentemente exposta e demonizada). Destaca o forte lobby existente no Congresso Nacional, mas que lá há uma frente parlamentar aguerrida que tenta resistir à agenda do governo e ao poder corporativo. Mas, diz ele, estão em minoria.
Destaca que mecanismos democráticos e instituições começam a sofrer desmontes, a começar pelos Conselhos e pelas comissões, bem como as entidades sindicais. Faz dura crítica à Operação Lava Jato que, no seu entender, propiciou a destruição das empresas nacionais e abriu caminho para as multinacionais.
Fez menção ao Relatório da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara sobre as consequências do rompimento da barragem de Fundão, em que tiveram a oportunidade de fazer visitas a diversos municípios atingidos. Enfatiza que a Fundação Renova é um grande instrumento de marketing, já que o cadastro de atingidos provoca inúmeras distorções. Afirma que, por exemplo, o pequeno empreendedor não é considerado atingido segundo os critérios da Renova.
Expressa seu apoio à consolidação de um mecanismo internacional (tratado) sobre Direitos Humanos e Empresas, pois caso contrário a regulamentação nacional será insuficiente para fazer frente ao poder das corporações. Encerra sua fala destacando que “o momento é de resistência, mas que um novo amanhã virá”.
Natália Carrau (CSA)
Iniciou sua fala expressando sua preocupação com o golpe de Estado na Bolívia e manifestou sua solidariedade com os povos daquele país.
Ao se apresentar, destacou que a Confederação Sindical das Américas surgiu em meio ao debate sobre a forma como o movimento sindical poderia se organizar melhor para enfrentar o avanço das empresas. É uma expressão regional da Confederação Sindical Internacional. Destacou que a atuação do poder corporativo nos territórios se dá sem qualquer controle, o que acarreta toda a sorte de violações.
Enfatizou a importância de se pensar o papel do Legislativo frente aos acordos de comércio e investimentos que constituem uma carta branca para as empresas atuarem nos territórios e uma nova forma de inserir os Direitos Humanos na temática.
Aponta que a visão dominante das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável deve ser vista com desconfiança, pois impõe a lógica do setor privado, já que o considera como peça chave da política do pós-2030. Faz crítica à metodologia dos multistakeholders, utilizada pela ONU.
Para a Confederação, o tratado vinculante sobre Empresas e Direitos Humanos é muito importante. Mas há fatores que devem ser considerados. O primeiro é restringir o alcance do instrumento às empresas transnacionais que, dentro da arquitetura da impunidade, possuem um poder muito maior do que as nacionais, externalizando custos e maximizando seus lucros.
O segundo fator é considerar as assimetrias entre o Norte e o Sul, que se manifestam nos tratados de proteção aos investimentos. Finalmente, o terceiro fator seria excluir as empresas estatais do tratado. A Confederação reconhece que tais empresas cometem violações, mas já são controladas por marcos normativos próprios de proteção. No entender da CSA, isso seria importante para evitar um duplo sistema de julgamento e, politicamente, por reduzir os ataques que essas empresas já estão sujeitas.
PAINEL IV – ACORDOS COMERCIAIS E DE INVESTIMENTO E A FORMAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Ma. Marina Marçal – Oxfam-Brasil
O painel começou com as reflexões de Marina Marçal. Ela ressaltou a necessidade de se ter atenção aos termos empregados na formulação de políticas públicas, dado que não se tratam de mera nomenclatura, sendo as palavras instrumentos tanto para consolidar ou buscar avanços, quanto para gerar conclusões jurídicas sérias.
Marina apontou, também, para as graves consequências decorrentes de casos de violações de direitos humanos por empresas, não consideradas pelo Decreto n° 9.571/2018, o qual foi objeto de estudo pela Oxfam Brasil, em documento intitulado “Um ‘PNA’ disfarçado: uma análise do Decreto nº 9.571/2018 sobre Empresas e Direitos Humanos”.
Tendo em vista a crítica ao decreto, Marina mencionou que o documento não faz referência a instituições relevantes na proteção dos direitos humanos como Ministério Público e Conselho Nacional de Direitos Humanos; não utiliza palavras como crime e violação, mesmo com os desastres envolvendo mineração em Mariana (MG) e Barcarena (PA), por exemplo; não estipula um período de quarentena no intuito de evitar os efeitos da lógica da porta giratória, como prevê a legislação espanhola; não estabelece parâmetros de responsabilização para os acionistas; e adota uma política de selos que reforça a lógica da responsabilidade social corporativa.
Prof. Dr. Sérgio Negri (UFJF)
Destacou a presença de três tendências a respeito do comportamento empresarial frente aos direitos humanos a luz do caso do caso Minas-Rio: a financeirização; a prevalência do controle contratual e a exploração de técnicas consensuais de resolução de conflitos.
Essas condutas têm como resultado, na visão de Sérgio, a criação de ilusões jurídicas que, na prática, ocultam o elo existente entre as empresas, sendo isso parte de estratégia jurídica com a finalidade de dificultar a responsabilização das sociedades empresárias envolvidas no empreendimento do Complexo Portuário do Açu, em São João da Barra (RJ).
Cristina Castro (Conselho Nacional de Direitos Humanos)
Retomando a cautela com o uso e os significado dos termos quando da elaboração de uma política pública, ressaltou a necessidade de enfoque na comunicação, na difusão e no compartilhamento de conhecimentos, objetivando maior conscientização das pessoas a respeito desses aspectos.
Ainda dentro dessa ideia, Cristina manifestou a importância da articulação entre todos grupos de pesquisas acadêmicas e movimentos sociais que pautam a temática direitos humanos e empresas, no sentido de garantir avanços efetivos em políticas públicas e em regulação das práticas empresariais.
Profª Drª. Jimena Sierra
Inicialmente a professora agradeceu ao convite do Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas (UFJF) e expôs acerca da realidade de seu país em matéria de acordos de investimentos. A partir de um histórico caracterizado pela tensão entre a incorporação de políticas econômicas neoliberais e o reconhecimento constitucional de direitos em benefício da população, Jimena abordou a disputa por recursos naturais a luz dos casos envolvendo a Colômbia perante o ISDS, sigla em inglês para Investor-State Dispute Settlement.
Ao apresentar dados e números a respeito desse instrumento de direito internacional privado disponível para investidores estrangeiros processarem Estados, Jimena constatou um fato impressionante: apenas 0,5% dos recursos das demandas apresentadas perante o ISDS correspondiam a 2% do Produto Interno Bruto da Colômbia.
Nessas circunstâncias, Jimena destacou que, diante da preservação dos tratados de inversões e da pressão internacional pela adoção de uma agenda neoliberal no Sul Global, o temor de os países sofrerem sanções econômicas conduzem-os ao congelamento regulatório das atividades empresariais, de modo a constituir um ciclo vicioso prejudicial aos territórios e às comunidades.
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