Centralidade do sofrimento da vítima, reparação integral e os casos de rompimento de barragem
Retrospectiva dos 10 anos do Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas
Texto por: Ana Laura Figueiredo
Dando sequência à série de retrospectiva dos 10 anos de atuação do Homa, em que iremos evidenciar os principais feitos e envolvimento nas Agendas Global e Nacional, nesse post vamos destacar a linha crítica do princípio da centralidade do sofrimento da vítima e da reparação integral, realizando um paralelo com atuação do Homa nos casos de rompimento da barragem de Fundão, em Mariana-MG, e da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho-MG.
Princípio da centralidade do sofrimento da vítima
O jurista Antônio Augusto Cançado Trindade, que foi presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, defendia e utilizava o princípio da centralidade do sofrimento da vítima em diversas decisões, mas o que se destaca é seu entendimento no que se refere às diferentes maneiras que este pode ser manifestado.
O princípio, proveniente de um contexto jurídico-filosófico, defende que o ser humano que sofre danos e prejuízos, seja do Estado, de pessoas físicas ou jurídicas, deve se tornar protagonista no desenvolvimento de mecanismos reparatórios e preventivos para o seu sofrimento. Com isso, a participação da vítima torna-se indispensável para o alcance do objetivo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, na visão de Trindade.
Em relação a suas diversas formas, a primeira delas é a garantia da participação dos indivíduos na esfera jurídica internacional, a segunda é a primazia do Direito sobre a força, representada pela guerra, e a terceira trata da questão da reparação em suas várias modalidades indenizatórias dos danos causados aos Direitos Humanos. Esse entendimento desenvolvido por Trindade também é seguido pelo Homa e acompanha os trabalhos desenvolvidos não só por nosso Centro de Direitos Humanos e Empresas, mas pela sociedade civil que atua nessa agenda.
Casos das Barragens de Fundão e do Córrego do Feijão
Feita essa breve explicação do que significa a centralidade do sofrimento da vítima, é possível relacionar o tema com o rompimentos das barragens de Fundão em Mariana/MG e do Córrego do Feijão em Brumadinho/MG, sendo considerados os maiores desastres-crimes socioambientais ocorridos no Brasil. Tais casos se tornaram objeto de pesquisa do Homa e fortaleceram a mobilização junto aos atingidos e atingidas.
O caso de Mariana, que foi tema de outra série do blog, ocorreu em 2015 e deixou cerca de mil e quinhentos hectares de vegetação destruídos, 11 toneladas de peixes mortos, 329 famílias desabrigadas e 21 pessoas mortas. Após sete anos do desastre-crime que envolve as empresas Samarco/Vale/BHP Billiton, o caso segue sem solução e as medidas reparatórias já acordadas ainda não foram totalmente aplicadas.
Essa demora em garantir a reparação integral dos atingidos e atingidas se soma com algumas peculiaridades do caso, a exemplo da designação da Fundação Renova como mediadora e gestora dos fundos destinados à indenização. O processo em busca de justiça para as comunidades e para os territórios conta com uma série de violações ao direito à participação, à primazia dos direitos humanos, à consulta, ao fornecimento de assessorias técnicas, dentre outros que juntos revelam uma clara oposição ao que está previsto no princípio da centralidade do sofrimento das vítimas.
Cabe ressaltar que a participação efetiva das vítimas é condição existencial para a reparação, já que na lógica da “vitimização”, do “sofrimento humano” e da “reabilitação da vítima”, só aquele quem sofreu é capaz de dizer o que é essencial à reparação para que ela ocorra em sua integralidade, o que difere da proposta de repactuação vigente após vários termos de ajustamento de conduta ineficazes.
Para essa luta criou-se a Rede de Pesquisa Rio Doce, a qual o Homa faz parte, que integra o Observatório Rio Doce uma articulação coletiva formada por diversas organizações da sociedade civil, movimentos sociais e grupos acadêmicos que tem por objetivo monitorar o processo de reparação e consolidar um campo de luta da sociedade civil que tenha força para pressionar e denunciar as empresas e as instituições que sofrem captura corporativa.
Antes mesmo de integrar efetivamente o Observatório que foi lançado em 2021, o Homa já estava envolvido nessa agenda quando realizou o acompanhamento a visita de uma Comissão do Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas Transnacionais à Mariana logo após o rompimento e lançou uma linha de pesquisa intitulada “Mineração e Violação de Direitos Humanos” que conta com diversas publicações. Nesse momento também foi criado o podcast “Cava – mineração em debate” que é uma parceria entre o Comitê em defesa dos Territórios frente à Mineração, a Rede de Pesquisa Rio doce, o Grupo de Pesquisa Terra e o Centro de Referência em Direitos Humanos, e tem como objetivo contribuir para um debate crítico sobre o modelo mineral brasileiro.
Já o caso de Brumadinho, que ocorreu em 2019, deixando 272 mortos, algumas pessoas ainda desaparecidas e grande poluição no rio Paraopeba, teve como solução a assinatura de um acordo entre a Vale e o estado de Minas Gerais a portas fechadas. Essa medida revela novamente a violação do princípio da centralidade do sofrimento da vítima e a força da aliança entre empresas e Estado, reforçando a problemática da captura corporativa e da disparidade de forças existente entre os agentes envolvidos quando se busca a reparação de violações de direitos humanos.
No próximo post daremos sequência à linha do tempo de atuação do Homa, dando enfoque ao desenvolvimento dos Planos Nacionais de Ação, junto às pesquisas realizadas, e o início da agenda de Direitos Humanos e Empresas no Brasil com a 1ª audiência pública brasileira sobre o tema.
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