Em primeira plenária do Observatório Rio Doce, atingidos fazem denúncias, cobram participação e aprovam suas propostas para a repactuação Rio Doce

Estas propostas serão levadas à Força Tarefa Rio Doce do Ministério Público Federal (MFP), ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (ALES),aos governos estaduais de MG e ES, à Câmara Federal e ao Senado da República por meio de entregas simbólicas, reuniões e audiências.

Aconteceu na última terça, 27 de julho, às 18h30, a primeira Plenária Geral do Observatório Rio Doce. O evento foi realizado de forma online e tinha como objetivo discutir a “repactuação justa com participação e respeito aos acordos já assinados” em um diálogo com organizações de diferentes campos de atuação na defesa dos direitos humanos.

A atividade, coordenada por Thiago Alves, integrante da direção do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), começou com um vídeo de apresentação das entidades que compõem o Observatório Rio Doce explicando o histórico, as atividades e propostas da organização em relação ao desastre no Rio Doce, seguido de algumas falas iniciais de motivação. 

A primeira fala foi de Dulce Maria Pereira, professora da Universidade Federal Ouro Preto (UFOP) que destacou que, desde antes da ruptura do território, que sempre foi objetivo de interesse de mineradoras, já ocorria o sequestro de direitos das pessoas da região. 

Ela também reiterou que é preciso lutar contra essa fragmentação e retirada de direitos, que ocorre todos os dias. De acordo com a professora, esse é um momento importante da história e que o Observatório quer mudar a relação das empresas com os atingidos, os territórios e a vida em geral.

“É preciso que saibamos que não será uma luta fácil, mas é uma luta para ser vencida, não estamos aqui para perder esse processo.” – Dulce Maria

O evento seguiu com a apresentação das professoras Tatiana Ribeiro e Karine (GEPSA/UFOP) representando a Rede de Pesquisa Rio Doce e contextualizando a linha do tempo dos processos que envolvem a Bacia do Rio Doce de maneira geral, reforçando a complexidade pós-rompimento.

Parte da Linha do Tempo com os acontecimentos e processos judiciais envolvendo a Bacia do Rio Doce apresentada por Karine e Tatiana.

Para Tatiana, o rompimento é o colapso do desastre, que se inicia muito antes do rompimento da barragem – mais especificamente, quando começam os processos que resultam na decisão sobre a localização de onde seria construída a barragem. Ela também destacou que o “Acordão” TTAC (Termo de Transação e Ajuste de Conduta) foi feito sem a participação dos atingidos, do Ministério Público ou das Defensorias dos Estados, tendo sido celebrado por outros atores envolvidos: as empresas, representantes da União, do estado de Minas e Espírito Santo.

Depois da apresentação da Rede, quem teve a palavra foi Raphaela Lopes, integrante do Justiça Global, que falou sobre as iniciativas de internacionalização do caso do Rio Doce. O objetivo dessa estratégia transversal é conseguir a reparação e justiça partindo da pressão internacional.

Para isso, foram feitas denúncias diante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e diante dos Estados de forma a demonstrar as violações perpetradas da maneira mais explícita possível. Outra estratégia usada com esse objetivo foi levar o caso dos grandes rompimentos para o âmbito da ONU. Entre as denúncias, são citadas violações de direito à vida, violação do direito à integridade dos atingidos, repressão e perseguição de direitos humanos; perseguição ao direito de igualdade (racismo ambiental) e muitos outros. Raphaela também citou a importância do Tratado Internacional de Direitos Humanos e Empresas nesse contexto.

O próximo a apresentar foi Eduardo Armond Cortes Araújo, assessor da SITICOP/MG. Ele explicou quais são os pontos defensivos do processo (que se dá por impedir o retrocesso de direitos já conquistados) e linhas para se avançar na proposta de Repactuação. Nas linhas de avanço, Eduardo citou instrumentos de participação popular que permitam o real envolvimento dos atingidos, descentralizando os espaços de decisão, atualmente concentrados na Justiça Federal, e dando um maior protagonismo aos atingidos. Entre os outros pontos citados, é possível destacar também o pedido pela assessoria técnica com autonomia e capacidade para direcionar demandas, que garantiria a participação informada das famílias, e a criação de Fundos para o desenvolvimento regional com investimentos para garantir condições de trabalho em diversas atividades, como agropecuária e pesca.

Em seguida, a palavra foi João Paulo Izoton, integrante da coordenação do MAB Espírito Santo, falando sobre a luta em busca de justiça pelos atingidos. Ele denunciou que não há simples aprovação do Estado nas injustiças, mas sim uma participação do mesmo junto ao sistema de violação de direitos.  O integrante do MAB acredita que o novo acordo só foi possível pelas vitórias no crime de Brumadinho, que possibilitou o reconhecimento do lugar problemático da Fundação Renova como centralizadora dos processos.

“O que falta no caso do Rio Doce é democracia de verdade”. – João Paulo, integrante do MAB Espírito Santo.

A voz dos atingidos e atingidas: fundamento da ação do Observatório Rio Doce 

A Plenária seguiu com o depoimento de pessoas atingidas de comunidades nos dois estados. A primeira fala de Maria Marcia Almeida, atingida em Colatina (ES), também integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens. Ela falou sobre a atuação das entidades envolvidas no desastre da Bacia do Rio Doce e questionou as ações efetivas do Poder Judiciário dos Estados envolvidos (Minas Gerais e Espírito Santo). 

Márcia relatou, ainda, que a organização do desastre a partir dos direitos violados dos atingidos foram feitas por Organizações Não-Governamentais como as que integram o Observatório, o que destaca a falta de amparo dos atingidos pela Justiça e a importância dos movimentos populares. 

Lelis Barreiros, atingido em Conselheiro Pena (MG), contou que não tem reconhecimento em nenhuma das suas falas nas câmaras técnicas sobre o rompimento. Ele também criticou o descaso com o futuro dos atingidos daqui a 10 anos, diante da enxurrada de rejeitos de minério que prejudicaram o território e a principal fonte de água da região. Para ele, as firmas contratadas pela Renova, fundação criada pela Vale, são símbolos de lavagem de dinheiro.

A próxima a ter a palavra foi Lanla Maria Soares Almeida, que faz parte da Comissão dos Atingidos em Governador Valadares (MG). Ela deixou clara a sua opinião favorável às modificações do Novel, já que este foi organizado por comissões muitas vezes sem legitimidade e fora dos parâmetros do Fundo Brasil, havendo muitas comissões que não chegaram a participar das discussões.

“Nós não queremos ser lembrados só quando forem concluir o TCC. É hora das universidades, que tem muito mais poder de fala do que nós, darem as mãos aos atingidos”. – Simone Silva, atingida e militante do MAB

A Plenária também contou com a presença de diversos parceiros de luta dos atingidos. Um deles é o Fórum em Defesa da Vida do Vale do Aço, uma articulação de partidos de esquerda, sindicatos, coletivos e movimentos populares que foi representado por Dora Pereira. Ela fez um paralelo sobre o desastre da Bacia do Rio Doce com a pandemia de Covid-19 e as dificuldades que ambos apresentaram juntos. Ela também reforçou as falas anteriores em relação à repactuação.

Depois de Dora, foi Vinicius Alves, do Fórum de Justiça, quem discursou na Plenária. Ele explicou como é a estrutura das instituições governamentais como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que coordena a repactuação, e a Defensoria Pública destacando a necessidade de ocupar esses espaços e disputar cargos de poder nesses ambientes para promover mudanças significativas.

“O rio era nossa vida, nossa riqueza estava nesse rio […] hoje não se tem vida mais, estamos apenas sobrevivendo”. – Penha, da secretaria executiva da Comissão de Atingidos

Outro depoimento marcante foi o de Simone Silva, atingida de Barra Longa e militante do MAB. De acordo com Simone, os atingidos só conseguiram conquistar alguns dos seus direitos graças às manifestações. Ela também criticou a atuação do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, em relação ao desastre. Para a militante, os atingidos precisam estar organizados politicamente para entender o processo de repactuação e, assim, exigir seus direitos.

O último depoimento que encerrou a Plenária foi dado por Joelma Fernandes que relatou o drama das 22 comissões de atingidos em Governador Valadares e dos riscos enfrentados para manter a discussão de reparação em tempos pandêmicos. Joelma também denunciou que as primeiras pessoas a entrarem no programa de indenização simplificada receberam boas ofertas como forma de enganar e influenciar os demais atingidos a aderirem ao programa.

“É através dessas reuniões que nós, atingidos, podemos falar o que tanto nos sufoca e nos aflige.” – Joelma Fernandes, atingida de Governador Valadares

Durante toda a atividade, a coordenação dialogou com as pessoas que se manifestaram no chat das redes sociais e da sala aberta do Google Meet. Este diálogo resultou também na aprovação de todas as propostas apresentadas na Plenária que haviam sido antes construídas pelo MAB e por outras organizações de base da Bacia como pauta mínima para uma repactuação justa.

Estas propostas serão levadas à Força Tarefa Rio Doce do Ministério Público Federal (MFP), ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (ALES),aos governos estaduais de MG e ES, à Câmara Federal e ao Senado da República por meio de entregas simbólicas, reuniões e audiências.  

Participaram da primeira Plenária Geral atingidos de Vitória, Serra, Linhares, São Mateus e Conceição da Barra, no Espírito Santo, e Santa Cruz do Escalvado, Ponte Nova, Rio Doce, Barra Longa, Periquito, Governador Valadares, Tumiritinga, Aimorés, São José de Bicas, Congonhas, Belo Horizonte, em Minas Gerais. 

Confira a plenária na íntegra:

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