Homa na audiência pública sobre Porto do Açu

Introdução

O Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas esteve presente na audiência pública “Os impactos sociais da implantação do Complexo Industrial e Portuário do Açu”, realizada no dia 08 de junho de 2017, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), promovida pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania; Comissão de Política Urbana, Habitação e Assuntos Fundiários; e Comissão de Representação para Mediar Conflitos Decorrentes da Implantação do Porto do Açu.

O Homa acompanhou os desdobramentos das desapropriações, assim como as demais violações de Direitos Humanos resultantes da implantação do empreendimento, sempre adotando uma posição crítica acerca da confusa relação entre o público e o privado, da captura corporativa, da complexa organização das empresas envolvidas e da questionável forma de desenvolvimento proposta nesse tipo de empreendimento. Além disso, considerou a importância da voz dos afetados pelo complexo e valorizando a participação destes de forma efetiva nas tomadas de decisão sobre as reparações a eles devidas.

Através do levantamento e análise de alguns processos propostos em decorrência das violações de direitos, o Homa foi capaz de realizar estudos sobre alguns aspectos presentes no caso do Porto do Açu, entre eles, um relatório sobre as violações de Direitos Humanos ocorridas no local do projeto, abarcando questões relativas aos impactos ambientais causados, aos direitos à moradia e à subsistência desrespeitados, bem como às dificuldades enfrentadas no tocante ao acesso à justiça. Além disso, será lançado, ainda esse ano, um trabalho tendo como base o caso do Porto do Açu, com um maior aprofundamento do tema perante a lógica dos Direitos Humanos, tendo como destaque em alguns elementos dos processos analisados e a questão das desapropriações, buscando apontar, através de uma perspectiva crítica, as principais violações ocorridas com a implantação do empreendimento.

 

A audiência pública

A audiência teve como objetivo o enfrentamento dos decretos de desapropriação que, sob alegação de utilidade pública, foram responsáveis por transformar o distrito de São João da Barra em uma área industrial, bem como por desapropriar uma área de 72 km² para a construção do Porto do Açu. O complexo portuário começou a ser planejado ainda no governo de Anthony Garotinho, em 1999, posteriormente sucedido por sua esposa, Rosinha Garotinho, e teve, em janeiro de 2009, um decreto assinado pelo ex-governador Sérgio Cabral. A área, logo no início, foi doada ao empresário Eike Batista para a instalação do projeto, porém, em razão de inúmeras modificações do empreendimento original e trocas na gestão do empreendimento, a ideia inicial que ocupava toda a área foi sendo substituída por um projeto que idealizado em um perímetro menor, logo, uma considerável parcela das propriedades desapropriadas ficou inutilizada, o que deu margem à reivindicação das terras vazias por parte de seus os antigos moradores.

O encontro, presidido pelo deputado estadual Bruno Dauaire (PR/RJ), se iniciou com a exposição de Rodrigo Santos, representante da Associação dos Proprietários Rurais e Imóveis do Município de São João da Barra (ASPRIM), que pediu a desconstituição do decreto que autorizou o empreendimento do Porto do Açu. Rodrigo ressaltou aspectos econômicos da região de São João da Barra antes do empreendimento, destacando a importância do local para a subsistência dos produtores rurais que residiam na área e o quanto o trabalho deles tornava aquelas terras produtivas, impulsionando, inclusive, a economia da região.

Em seguida, Dona Noêmia Magalhães, moradora da região do Açu, relatou violações de direitos que ocorreram desde a instalação do empreendimento, tanto por parte do ente público, com a utilização de força policial, quanto pelo privado, através dos seguranças das empresas. Ela destacou a especial relação que os agricultores locais têm com a terra e como ela é essencial para a sobrevivência e para a cultura da região. Expôs, ainda, o medo e as dificuldades que enfrenta junto com outros moradores e moradoras para resistir e lutar por suas terras e direitos, em face às empresas e ao Estado, ressaltando que ainda tem esperança de que tudo volte a ser como antes no distrito de São João da Barra.

O Professor Roberto Moraes, pesquisador do NEED-IFF, por sua vez, delineou um breve histórico sobre os portos brasileiros, explicando o contexto econômico e político em que foram concebidos. Em suas colocações, deixou claro que a extensa área de 72 km² usada no Porto é desnecessária, uma vez que, em um espaço menor, seria possível alcançar a produtividade esperada, comprovando sua fala a partir de dados que mostram que, em alguns empreendimentos semelhantes, é possível satisfazer as necessidades econômicas do país com uma área reduzida.

A quarta integrante da mesa a falar foi a assistente social e professora da UFF Ana Maria Costa, ressaltando o drama das famílias do Porto do Açu, que atribuem a responsabilidade pelo sofrimento que vivem ao empresário Eike Batista e ao Estado. Destacou, ainda, o trabalho realizado pela Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que resultou na produção de um relatório, posteriormente, enviado à CODIN, requerendo esclarecimentos sobre as desapropriações da região do empreendimento. A professora argumentou que há um “complexo de gigantismo” quando se fala do Porto do Açu, por ser um grande empreendimento, composto por um dos maiores minerodutos do mundo, mas que, em consequência disso, resultou em um decreto violento, em que Direitos Humanos foram desrespeitados, tendo contribuído para isso a força policial agindo junto às milícias das empresas contra os moradores.

Ana Costa levantou a questão sobre terem as violentas desapropriações causado restrição ao direito de ir e vir, ao direito de pesca e interferências drástica na vida das famílias, com instalação de cabines de segurança quase dentro da casa dos moradores. Assim, negou-se o direito à agricultura de subsistência e o direito à terra. Com a presença de quilômetros de terras vazias após as desapropriações, as empresas buscavam reforçar o argumento de que as terras eram improdutivas, porém, era o trabalho dos agricultores que as deixavam produtivas. Após serem desapropriados, os produtores rurais, junto às suas famílias, tornaram-se dependentes de programas sociais e não tinham mais nada, tendo em vista que o vínculo com a terra era essencial para a manutenção da sobrevivência. As terras, por sua vez, passaram a servir à especulação fundiária.

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro também esteve presente na audiência, na figura das defensoras Dra. Ana Carolina Araújo e Dra. Patrícia Silva Ribeiro, trazendo a perspectiva da legalidade do decreto, sua finalidade e o interesse público. Foi feito um breve histórico do processo de desapropriação do Porto do Açu e suas irregularidades. O Estado figurou nesses trâmites como o ente desapropriador para que um ente privado atingisse seu objetivo, em razão da existência de uma cláusula que estabelecia como dever do Estado a indenização e que a LLX poderia intervir e realizar o pagamento. Elas destacaram que o que ocorreu no Açu poderia ser melhor caracterizado como uma compra e venda sem voluntariedade, ao invés de desapropriação por interesse público. Outro ponto que mereceu destaque foi o conteúdo da lei de desapropriação que, para fins de utilidade pública, deveria observar o requisito de competição entre empresas previamente qualificadas, o que se aproximaria da ideia de licitação, ou seja, deveria ter havido concorrência entre empresas e não o favorecimento de uma, como ocorreu em São João da Barra, em que se buscou favorecer a LLX.

A Defensoria argumentou, por fim, que os moradores conferiam muito mais utilidade pública ao local do que o empreendimento, uma vez que a enorme área desapropriada tornou-se apenas terreno vazio depois do ocorrido. Dessa maneira, o ato de desapropriação distanciou-se muito de sua finalidade do interesse público e que serviu apenas para vender as terras dos agricultores a baixo custo para o empresário. Além disso, trouxeram o fato de que as operações da Lava Jato serviram para descortinar a relação entre Sérgio Cabral e Eike Batista. A ação criminal movida pelo Ministério Público permitiu concluir que o motivo e a finalidade estavam viciados nos atos de expropriação, o ex-governador recebeu a quantia de cinquenta e dois milhões de reais na forma de vantagem indevida. Os impactos das desapropriações vão além, ao se verificar o aumento da violência, pobreza, desigualdade e migração, sem quaisquer políticas públicas.

A audiência pública seguiu com intervenções de alguns deputados presentes, que se colocaram do lado dos agricultores e expressaram sua perplexidade em relação à intricada relação entre o ente privado e o Estado. Outro ponto levantado durante a audiência e que causou revolta foi o título de barão concedido a Eike Batista pela câmara de vereadores de São João da Barra.

 

Resultados

O saldo da audiência pública foi extremamente positivo, já que ela serviu como uma ferramenta efetiva de enfrentamento da situação atual vivenciada no Porto do Açu. Tendo em vista a presença de cerca de 20% dos deputados estaduais, de diferentes partidos políticos, bem como a comoção gerada em torno do tema, foi levantada a possibilidade de anulação dos decretos de desapropriação através da colocação na pauta da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e posterior votação por seus membros, sendo necessária para aprovação do projeto a quantia de mais de cinquenta por cento dos parlamentares.

É importante destacar, por fim, que foi colocada durante a audiência o fato de que a ação proposta não carrega o nome de nenhum partido político, mas sim, deve ser considerada um projeto de todos os deputados, possibilitando, dessa forma, alguma justiça aos moradores, que deveriam ser considerados os protagonistas na questão da reparação dos danos a eles causados.

 

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