Na última quarta-feira foi realizada Audiência Pública sobre o PL 572/22 no âmbito da PFDC/MPF
Escrito por: Ana Laura Figueiredo
A Audiência Pública “Criação do marco nacional sobre direitos humanos e empresas: o Projeto de Lei nº 572/2022 e os caminhos para a responsabilização de empresas por violações de direitos humanos”, organizada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF), foi realizada nesta última quarta-feira, dia 28 de agosto.
A audiência reuniu representantes da academia, da sociedade civil, dos movimentos sociais, do setor privado e do Poder Público para colher contribuições para o avanço da temática e, principalmente, do projeto de lei que, em tramitação, aguarda parecer do relator na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE). A falta de representantes dos atingidos e atingidas, contudo, foi percebida e mencionada por nossa coordenadora que durante sua fala alertou para a necessidade de incluí-los nesses espaços de discussão para melhor compreender a lógica em que se operam as grandes empresas e, assim, também observar as garantias de participação social previstas no próprio PL.
O PL 572/22 cria um marco nacional sobre direitos humanos e empresas, e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas no tema. Sobre as discussões levantadas durante a audiência, foi dado como consenso a necessidade de regulamentar a matéria de Direitos Humanos e Empresas a nível nacional e que essa regulamentação seja feita através do próprio PL, superando a ideia do pragmatismo principiológico que por muito tempo dominou a agenda. Assim, foi admitido que o PL traz mudanças sólidas e inovadoras, como a garantia de participação social em todas as instâncias pelos atingidos e atingidas e a previsão mecanismos específicos de responsabilização e reparação, o que dará maior segurança jurídica ao tratamento dos casos.
A Profª Drª Manoela Carneiro Roland, nossa coordenadora, fez uma fala durante o evento e ressaltou pontos importantes que devem nortear o debate. A professora esclarece que o PL é uma lei de Direitos Humanos e essa característica justifica suas escolhas e base normativa. Por tanto, são pontos cruciais do texto legislativo a primazia dos Direitos Humanos e o princípio da centralidade do sofrimento da vítima.
Como um marco legal de diretrizes, o PL busca sistematizar previsões já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, mas dispersas em distintos códigos e leis específicas. Desse modo, trata-se de um texto basilar que poderá ser aprimorado e ampliado, contudo, não se deve permitir seu rebaixamento a nível de proteção de direitos para que essas emendas não levem ao esvaziamento do texto.
O apoio de todos os presentes, mesmo que representando os mais diversos interesses, até mesmo os empresariais, demonstram a urgência dessa discussão, mas nos leva a uma preocupação em relação ao texto que será aprovado. Se antes os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas, desenvolvidos por John Ruggie em 2011, eram o paradigma para o setor privado, agora as leis de devida diligência emergentes no contexto internacional parecem tomar seu lugar após comprovada a ineficácia e a insuficiência, a nível de conteúdo, dessas diretrizes.
Alguns atores ainda se mostram presos a essa ideia de incorporar o que se está fazendo na Europa e outros países do Norte Global, como se essa fosse a solução para problemas que a nível nacional já possuem outro acúmulo, apresentam um contexto distinto e que, portanto, exigem outras medidas. A devida diligência encontra previsão no PL, mas não é o seu núcleo, como um marco de Direitos Humanos. Nesse sentido, foi mencionado por representantes da sociedade civil, que participaram ativamente da construção desse marco normativo, que a devida diligência não deve ser apenas um checklist a ser cumprido pela empresa no sentido gerencial e de gestão de danos.
Outras pauta importante e que foi lembrada por diversos expoentes é que o PL também dialoga com o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos ao prever o princípio da centralidade do sofrimento da vítima, consolidado por Antônio Augusto Cançado Trindade em suas decisões, a reparação integral e a consulta livre, prévia e informada, definida pela Convenção nº169 OIT, e que em julgados recentes da Corte IDH foi entendida como um direito ao consentimento e uma prática que deve ser mediada pelo Estado.
Além disso, algumas temáticas transversais a essa agenda foram trazidas por diversos atores que mencionaram dados e casos concretos de violação de direitos humanos (Brumadinho, Mariana, Braskem, entre outros), como as questões trabalhistas, a transição energética e mudanças climáticas, a proteção de minorias específicas como povos indígenas, comunidades tradicionais, comunidade LGBTQIA+, crianças e adolescentes. As considerações feitas no sentido de ampliar e especificar os direitos desses grupos a nosso ver deverá ser uma prioridade na atualização do texto normativo.
A audiência foi realizada de modo híbrido e conta com gravação disponível no YouTube, para conferir o debate completo clique aqui.
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