Acúmulo da agenda de Direitos Humanos e Empresas no Brasil
Retrospectiva dos 10 anos do Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas
Texto por: Ana Laura Figueiredo
Dando sequência à série de retrospectiva dos 10 anos de atuação do Homa, em que evidenciamos os principais feitos e o envolvimento nas Agendas Global e Nacional, nesse post, o último da série, vamos destacar o acúmulo da agenda de Direitos Humanos e Empresas no Brasil a partir de reflexões sobre o Decreto nº 9.571/2018 e o envolvimento do Homa na produção da Resolução nº 05/20 do CNDH e do PL 572/2022.
O Decreto nº 9.571/2018, que estabeleceu Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, foi a primeira norma brasileira sobre a agenda. Sua publicação foi fortemente criticada tanto pela sociedade civil, quanto por instituições jurídicas que reconheceram a falta de legitimidade democrática do texto e sua relação com o cenário político brasileiro. A falha no aspecto democrático e popular se dá pela construção ‘de cima para baixo’, como já se havia discutido na 1ª audiência pública brasileira sobre Empresas e Direitos Humanos em relação aos Planos Nacionais de Ação, tema do último post.
Os principais pontos do Decreto estão relacionados à reprodução da lógica voluntarista dos Princípios Orientadores, já que falta clareza quanto à primazia dos direitos humanos e adota-se o termo ‘impacto’ para fazer referência às violações. Junto a isso, é estabelecida uma política de gratificação com selos para as empresas que aderirem a normativa, contudo, a relação entre elas e o Estado não fica muito clara sendo apenas mencionada a realização de acordos para solução de conflitos. Temas importantes para agenda, como acesso à justiça, inversão do ônus da prova, não são abordados e o mecanismo de devida diligência está previsto sem a menção do alcance das cadeias produtivas.
Tendo em vista esse cenário, a sociedade civil se articulou para a construção da Resolução nº 05/2020 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) que foi tida como uma resposta e contraproposta ao Decreto. Diferentemente deste, a Resolução se preocupou com o acúmulo existente na Agenda Nacional de Direitos Humanos e Empresas e com a construção participativa. Desse modo, o texto menciona princípios e direitos constitucionais, pactos internacionais em que o Brasil é signatário, convenções da OIT, além de demonstrar preocupação com relatórios e notas técnicas .
Cabe destacar que a produção do documento contou com a participação direta da sociedade civil e que, inclusive, foi debatido durante o VI Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas, que ocorreu em 2019 no Rio de Janeiro. Esse seminário foi organizado pelo Homa em parceria com o CNDH, tendo atuado também na elaboração da minuta-base e no assessoramento do órgão em todo o processo.
As principais diretrizes estabelecidas foram a supremacia dos direitos humanos, a centralidade do sofrimento da vítima, a autodeterminação, o reconhecimentos de poder entre os agentes envolvidos, a coibição da violação de direitos humanos em toda a cadeia de produção, a reparação rápida e integral e a especificidade de tratativas realizadas com povos indígenas e comunidades quilombolas.
Apesar de representar uma grande conquista para a Agenda Nacional, a própria Resolução tratou da importância de se estabelecer uma norma vinculante para proteger efetivamente os direitos dos atingidos e atingidas no Brasil, considerando as reiteradas violações de direitos humanos por empresas no país. Nesse sentido, surge uma disputa de interesses entre o governo, que tem como objetivo implementar um Plano Nacional de Ação brasileiro a partir do texto do Decreto nº 9.571/18, e organizações da sociedade civil, como representantes dos interesses dos atingidos e atingidas, que se uniram na elaboração do PL 572/2022 com base em um estudo desenvolvido pelo Homa com apoio da Fundação Friedrich Ebert Brasil.
O projeto, que contou com a colaboração de várias organizações da sociedade civil como CUT, MAB e Amigos da Terra Brasil, além de movimentos sociais e parlamentares, foi assinado por Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Áurea Carolina (PSOL/MG), Carlos Veras (PT/PE) e Helder Salomão (PT/ES) e protocolado no dia 14 de Março, data significativa por ser o Dia Internacional da luta dos atingidos por barragens.
Diferentemente das normativas existentes na agenda nacional, o PL possui conteúdo amplo e denso. Caso aprovada, a lei irá responsabilizar toda a cadeia produtiva, garantir a reparação integral, assegurar o direito ao consentimento, possibilitar a inversão do ônus da prova, dentre outras previsões de mecanismos de prevenção, monitoramento e reparação. O conteúdo é uma tentativa de radicalização democrática dentro da Agenda Nacional de Direitos Humanos e Empresas, sendo um marco importante e essencial para a luta da defesa dos direitos humanos no Brasil e no mundo.
Cabe ressaltar que a busca pela aprovação dessa Lei Marco acompanha os esforços para a consolidação do Tratado Internacional de Empresas e Direitos Humanos. Assim, foi lançada a campanha “Essa terra tem lei – Direitos para os povos, obrigações para as empresas” pelo GT Corporações, grupo de trabalho da sociedade civil, para fortalecer a mobilização.
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