Homa participa da Primeira Sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental das Nações Unidas sobre Corporações Transnacionais e Outros Empreendimentos com Relação a Direitos Humanos

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O clima em Genebra é de apreensão e de esperança para o que acontecerá na primeira sessão do Grupo Intergovernamental das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais e Outros Empreendimentos em relação a Direitos Humanos (IGWG) e em toda a mobilização planejada na cidade durante o período de reuniões. Reproduzindo as palavras de Brid Brennan, da ONG Transnational Institute (TNI), no dia 5 de julho de 2015, durante a sua fala de abertura do segundo dia de preparação da Treaty Alliance para a sessão do Grupo, a nossa percepção é  a de que “esse é um momento histórico!”.

Aproximadamente 350 organizações não governamentais, movimentos sociais, centros acadêmicos e grupos afetados pela atividade corporativa de todo o mundo se uniram ao redor da pauta da necessidade de um marco normativo vinculante capaz de responsabilizar empresas transnacionais por violações de Direitos Humanos, e coletivamente, com o apoio e liderança de Estados, como o Equador e a África do Sul, foram capazes de iniciar um processo de grande importância para a conjuntura política e econômica mundial, a criação de um Grupo de Trabalho composto por Estados para elaborar “um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre corporações transnacionais e outros empreendimentos com respeito a Direitos Humanos”[1], carregando em si a possibilidade de estabelecer uma normativa internacional vinculante capaz de tornar empresas transnacionais responsáveis pela violações de Direitos Humanos por elas cometidas.

A primeira sessão do IGWG (“Open-ended Intergovernmental Working Group on Transnational Corporations and Other Business Enterprises with Respect to Human Rights”) ocorrerá entre os dias 6 a 10de julho de 2015. O HOMA – Centro de Direitos Humanos e Empresas, juntamente com Estados, movimentos sociais, organizações não governamentais e centros acadêmicos de todo o mundo, participará deste evento.

O IGWG surgiu a partir da Resolução 26/9 (A/HRC/RES/26/9)[2] aprovada em junho de 2014 no Conselho de Direitos Humanos da ONU, que dispõe sobre o início do processo de debate do tratado internacional e estabelece base procedimental de conteúdo geral para suas duas primeiras sessões, a ocorrer nos anos de 2015 e 2016.

As duas primeiras sessões do Grupo irão se dedicar ao debate amplo sobre o conteúdo, escopo, natureza e forma do instrumento vinculante a ser elaborado, de modo a fornecer subsídio suficiente e qualificado para a preparação de um draft a ser apresentado pela presidência do IGWG na sua terceira sessão[3]. Isso quer dizer que se discutirá quais Direitos Humanos deverão ser abrangidos pelo instrumento, bem como sua abrangência (quais atores poderão ter as normativas vinculante a si aplicadas), seu formato e sua natureza jurídica (se esse instrumento será um tratado internacional, ou outro instrumento jurídico internacional, como convenção.

 

Breve histórico do processo

 

O processo de discussão sobre a elaboração deste Tratado Internacional sobre Empresas e Direitos Humanos teve início em setembro de 2013 durante a 24ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos[4], quando o Equador emitiu uma declaração pedindo o reconhecimento do cenário de aumento dos casos de violações dos Direitos Humanos e abusos por parte de Empresas Transnacionais, apontando para a necessidade de avançar no sentido de construir uma estrutura juridicamente vinculativa para regular as atividades das corporações transnacionais, e dar a devida proteção, justiça e reparação às vítimas de violações resultantes da atuação predatória das empresas transnacionais e outras corporações. Essa declaração foi apoiada por um grupo de países, incluindo o Grupo Africano, o Grupo Árabe, Paquistão, Sri Lanka, Quirguistão, Cuba, Nicarágua, Bolívia, Venezuela e Peru.

Apesar da primeira manifestação do Equador ter se dado em setembro de 2013, já haviam organizações da sociedade civil articuladas na campanha para o “desmantelamento do poder das empresas e pelo fim da impunidade”[5] desde 2012, durante a Rio +20, quando esta foi lançada. Assim, ao final de 2013, juntando os esforços da campanha aos debates para reivindicação de um marco normativo vinculante para as empresas, um grupo de mais de 140 organizações da sociedade civil emitiu uma declaração conjunta[6] durante o Peoples Forum em Bangkok, reforçando o pedido por um instrumento juridicamente vinculante capaz de responsabilizar empresas transnacionais por violações de Direitos Humanos. Essa manifestação pública se configurou como a 1ª Declaração da Treaty Alliance[7], alcançando o número surpreendente de 610 assinaturas de organizações em prol dessa pauta e construindo essa aliança.

Em Junho de 2014, após intensa agenda de mobilizações da Aliança e de debates políticos por parte de diversos Estados, foi aprovada na 26ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU a Resolução 26/9 que deu materialidade institucional aos processos diplomáticos do Equador e da África do Sul, e às manifestações políticas e sociais da Treaty Alliance e da campanha Dismantle Corporate Power através da criação do IGWG.

A resolução, liderada pelo Equador e a África do Sul, foi aprovada com o apoio de 20 estados membros do Conselho, 13 abstenções e 14 votos contrários à iniciativa. Os Estados membros votaram da seguinte forma: Argélia, Benin, Burkina Faso, China, Congo, Costa do Marfim, Cuba, Etiópia, Índia, Indonésia, Cazaquistão, Quênia, Marrocos, Namíbia, Paquistão, Filipinas, Rússia, África do Sul, Venezuela, e Vietnã (a favor); Argentina, Botswana, Brasil, Chile, Costa Rica, Gabão, Kuwait, Maldivas, México, Peru, Arábia Saudita, Serra Leoa e Emirados Árabes Unidos (abstenção); Áustria, República Tcheca, Estônia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Montenegro, Coréia do Sul, Romênia, Macedônia, Reino Unido e Estados Unidos (contra)[8].

Buscando consolidar a postura e as demandas da Treaty Alliance, foi elaborada uma segunda declaração[9], que em sete semanas já alcançou a adesão de mais de 350 organizações, dentre elas o Homa, reafirmando a necessidade e o clamor por um marco normativo vinculante capaz de responsabilizar empresas transnacionais e chamando a atenção do Grupo Intergovernamental com relação a alguns pontos específicos para elaboração participativa de mecanismos efetivos de proteção dos Direitos Humanos.

Outro documento importante é a contribuição da Campanha para o desmantelamento do poder das corporações para os trabalhos do IGWG, que elenca 8 propostas de mais de 100 movimentos sociais e ONGs e que se alinha com as disposições da segunda declaração da aliança para o tratado[10].

Esses dois documentos resumem a postura e as demandas de grande parte das organizações e movimentos populares, e junto das submissões específicas de contribuições escritas ao Grupo Intergovernamental[11], orientarão as mobilizações preparadas para a semana por Genebra e as manifestações orais que serão realizadas durante os painéis que comporão essa primeira sessão do IGWG.

 

A Tentativa de Obstrução do Processo por Parte da União Europeia e dos Estados Unidos

 

A União Europeia, os Estados Unidos e seus aliados, inconformados com a derrota na votação da Resolução 26/9 em 2014, demonstraram pouco interesse em participar de maneira construtiva do processo de elaboração do Tratado Internacional na área, impondo condições e realizando ameaças econômicas e políticas, sinalizando para alguns países que se houvesse participação no processo e apoio ao Tratado, estes perderiam grande volume de investimentos externos e perderiam o apoio político dos Estados da UE e dos EUA em outros temas.

A União Europeia estabeleceu quatro condições para o seu envolvimento no processo[12], quais sejam: [i] a escolha de um(a) Presidente(a) neutro(a) para a condução dos trabalhos; [ii]  a elaboração de um instrumento destinado a todas as empresas, e não somente às empresas transnacionais; [iii] o comprometimento de todos de continuar implementando os princípios orientadores; [iv] a garantia de que experts na área serão ouvidos e contribuirão para a construção do texto, bem como a garantia de que a sociedade civil e as empresas serão consultados.

Uma das primeiras pautas da primeira reunião do Grupo Intergovernamental diz respeito a escolha de seu(sua) presidente(a) e o seu perfil ditará o ritmo das discussões e orientará os resultados. Maria Fernanda Espinosa Garcés, representante permanente do Equador na ONU foi designada como presidente interina para organizar a primeira sessão do IGWG pela liderança do país no processo de aprovação da resolução, e é um dos nomes mais cotados para ocupar este cargo, seguida por Abdul Samad Minty, embaixador da África do Sul na ONU, tendo ambos se colocado à disposição para assumir a função, e o segundo tendo demonstrado apoio à candidatura da primeira.

A liderança do Equador, no entanto, foi recebida por organizações de defesa dos Direitos Humanos e movimentos sociais latino-americanos inicialmente com desconfiança, pois o país possui histórico de descumprimento de sentenças e recomendações no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, no entanto, este tem se colocado de maneira aberta para o diálogo com as organizações e tem conduzido o processo de maneira transparente.

Tendo ganhado o apoio da Treaty Alliance e da Campanha Dismantle Corporate Power, e gozando da chancela da África do Sul e de demais Estados que votaram favoravelmente à resolução, tudo indica que Maria Fernanda Espinosa Garcés, representante do Equador, vá ocupar a função de coordenação dos trabalhos do IGWG.

Os Estados Unidos, apesar de terem declarado que não participarão das discussões irão se manifestar através de tradicionais aliados, como o Canadá e o México, que não confirmaram presença na sessão, mas são esperados por essa componente geopolítica.

A imposição de condicionantes e realização de jogos políticos por parte de Estados do Atlântico e Pacífico Norte configura um reflexo da dinâmica de poder global, representando uma disputa em que de um lado estão Estados do “sul global”, e que são majoritariamente hospedeiros de empresas transnacionais e locus de violações de Direitos Humanos, e do outro lado estão os Estados do norte, que, apesar de se utilizarem constantemente da categoria discursiva dos Direitos Humanos, se opõem a um processo com propósito de impedir e reparar violações em nome da proteção do capital global.

 

O Posicionamento brasileiro com Relação ao Tratado

 

Em duas oportunidades no ano de 2015 (nos meses de março e maio), alguns representantes da REBRIP (Rede Brasileira para Integração dos Povos), Justiça Global, Terra de Direitos, Fundação Friedrich Ebert, Homa e outras organizações não-governamentais e centros acadêmico brasileiros envolvidos no debate de Direitos Humanos e Empresas foram à Brasília questionar algumas agências do governo sobre o posicionamento do país no processo de desenvolvimento do Tratado Internacional e o que se pode esperar na próxima reunião do Grupo Intergovernamental.[13]

O governo brasileiro se absteve na votação da Resolução 26/9, alegando ausência de clareza para se posicionar de maneira definitiva, talvez por receio dos reflexos que tal instrumento teria no modelo desenvolvimentista adotado nos últimos anos. A ideologia neoliberal reforça a ideia de que as empresas são mais eficientes que os Estados e que o melhor é sempre garantir parcerias com elas.

A reunião organizada em maio na sede do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc[14], contou com representantes do Itamaraty, bem como com representantes do Ministério da Fazenda e da Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, mostrando uma maior apropriação institucional da temática por parte do Estado brasileiro, que se comprometeu a buscar avanços em regras legalmente vinculantes para preencher lacunas no processo de implementação dos Princípios Orientadores.

As organizações da sociedade civil participantes ressaltaram, no entanto, a importância de evitar a captura corporativa da negociação, muito comum em espaços internacionais como a ONU, bem como na necessidade do governo brasileiro focar no escopo do Tratado e de estabelecer um posicionamento concreto com relação ao acesso a justiça por parte das vítimas de violações de Direitos Humanos por corporações transnacionais[15].

 

A Importância da Participação da Sociedade Civil nesse Processo

 

Verifica-se, hoje, um processo complexo de atuação da sociedade civil que, naturalmente, não conta com unanimidades ou consensos artificialmente construídos. Uma parcela das organizações da sociedade civil enxerga que a elaboração de um Tratado fraco pode vir a ter efeito diametralmente oposto ao perquirido, vindo a servir como discurso legitimador da lógica empresarial, encerrando o rico processo de discussões que tem ocorrido até o momento.

É importante ressaltar que a influência do capital global e das empresas transnacionais no processo através da tentativa de captura dos Estados e dos espaços de discussão estabelecidos é inevitável, no entanto, o combate efetivo se dá com alto nível de mobilização gerado entre os mais diversos atores da sociedade civil global, bem como o estabelecimento de verdadeiras redes de cooperação internacional.

Assim, como centro acadêmico, o HOMA pretende contribuir nesse processo através da produção de pesquisas e análises para sustentar os posicionamentos de forma crítica na discussão do Tratado, dialogando diretamente com as necessidades e demandas das organizações da sociedade civil.

Por esse motivo o Centro está representado em Genebra, participando de reuniões preparatórias da Treaty Alliance e da Campanha Dismantle Corporate Power nos dias 4 e 5 de julho de 2015, e estará presente na primeira sessão do Grupo Intergovernamental das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais e Outros Empreendimentos em relação a Direitos Humanos, entre os dias 6 e 10 de julho do mesmo ano, se envolvendo nas mobilizações organizadas pela Campanha, construindo submissões orais para os painéis da sessão do IGWG, e recolhendo subsídio político e teórico para contribuir com aspectos específicos das discussões no curso desse longo processo que se inicia nessa semana.

Para acessar a programação oficial da Primeira Sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental, os temas dos painéis que a compõem e os panelistas convidados, clique aqui.

Abaixo segue o cronograma de mobilizações da organizadas pela Campanha Dismantle Corporate Power para essa semana em Genebra (clique na imagem para a versão ampliada).

 

geneva_programES-1

 

Autores: Manoela Carneiro Roland, Luiz Carlos Silva F. Jr., Ana Fiúza Soares, Arindo Augusto Duque Neto, Gustavo Weiss de Resende, Laíssa Dau Carvalho, Maria Fernanda Goretti, Sarah de Melo Salles


[1] Tradução nossa de trecho da Resolução 26/9 do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

[2] Texto da resolução: http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=A/HRC/26/L.22/Rev.1

[3] “2. Also decides that the first two sessions of the open-ended intergovernamental working group on a legally binding instrument on transnational corporations and other business enterprises shall be dedicated to conducing constructive deliberations on the content, scope, nature and form of the future international instrument, in this regard; 3. Further decides that the Chairperson-Rapporteur of the open-ended intergovernamental working group should prepare elements for the draft legally binding instrument for substantive negotiations at the commencement of the third session of the working group on the subject, taking into consideration the discussions held at its first two sessions;”

[4] http://business-humanrights.org/sites/default/files/media/documents/statement-unhrc-legally-binding.pdf

[5] A campanha “Dismantle Corporate Power” é composta de mais de 100 organizações e movimentos sociais em todo o mundo. Para acesso, ver: <www.stopcorporateimpunity.org>.

[6] http://www.treatymovement.com/statement-2013

[7] A Treaty Alliance é uma rede de grupos, organizações não-governamentais e movimentos sociais ao redor do globo com o propósito de organizar atividades de suporte ao desenvolvimento de um instrumento legal vinculante no que diz respeito aos abusos de direitos humanos por empresas. Além do HOMA, outras importantes atores fazem parte dessa mobilização, como o Transnational Institute, a Friends of the Earth International e a Comissão Internacional de Juristas. Para mais informações sobre a iniciativa, visite: http://www.treatymovement.com/

[8] http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/082/52/PDF/G1408252.pdf?OpenElement. Acesso em 25 de julho de 2015 às 15h46.

[9] http://www.treatymovement.com/declaracao/

[10] Para acessar o documento, visite: <http://www.cetim.ch/en/interventions/399/8-proposals-for-the-new-legally-binding-international-instrument-on-transnational-corporations-tncs-and-human-rights>.

[11] As submissões de contribuições por escrito ao IGWG estão disponíveis no site: <http://business-humanrights.org/en/binding-treaty/first-session-of-the-intergovernmental-working-group>.

[12] http://www.cidse.org/publications/business-and-human-rights/business-and-human-rights-frameworks/download/812_ec5c1b74f20acae0c0e3df383a6366be.html

[13] http://www.projetodheufjf.com.br/2015/03/31/homa-acompanha-processo-de-mobilizacao-da-sociedade-civil-para-interlocucao-com-o-governo-brasileiro-sobre-a-negociacao-de-tratado-de-direitos-humanos-e-empresas/

[14] http://www.inesc.org.br/

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