Outros instrumentos normativos de Devida Diligência

Devida Diligência: uma realidade normativa na Agenda de Direitos Humanos e Empresas 

Texto por: Ana Laura Figueiredo

Nessa nova série do blog vamos abordar o instituto da devida diligência, incorporado pelos Princípios Orientadores da ONU, e algumas normativas, aprovadas ou em discussão, que se tornaram referência para o estudo do tema e buscam transformar sua aplicação. Desse modo, iremos analisar a Lei Francesa de Vigilância (Loi de vigilance), a Diretiva da União Europeia (Directive on Corporate Sustainability Due Diligence), a Lei de Devida Diligência Alemã (Act on Corporate Due Diligence Obligations in Supply Chains) e, por fim, outros instrumentos normativos que não tratam exclusivamente de devida diligência, a exemplo do PL 572/2022, tópico de outra série em que explicamos a Agenda Nacional e seu processo de construção.

Nesse post vamos analisar o PL 572/2022 (Marco Nacional de Direitos Humanos e Empresas), a Lei de Escravatura Moderna do Reino Unido (UK Modern Slavery Act) e a Lei Holandesa de Devida Diligência sobre Trabalho Infantil (Dutch Child Labour Act) no que se refere à previsão da devida diligência em matéria de direitos humanos.

PL 572/2022 

O projeto de lei 572/2022 já foi analisado em outra série do blog que tratamos da Agenda Nacional, nela ressaltamos que sua elaboração ocorreu por meio de um processo democrático participativo e que como ainda está em processo de análise para ser votada, conta com uma campanha da sociedade civil  pela aprovação intitulada “Essa terra tem lei – Direitos para os povos, obrigações para as empresas”.  

O seu texto foi construído a partir de um estudo do Homa com o apoio da Fundação Friedrich Ebert Brasil e contou com a colaboração de várias organizações da sociedade civil como CUT, MAB e Amigos da Terra Brasil, além de movimentos sociais e parlamentares.

No que se refere ao instituto da devida diligência, no segundo capítulo são estabelecidas as obrigações das empresas e do Estado e a ideia de mitigação de riscos e impactos por parte das empresas, que foi introduzida pelas diretrizes dos princípios orientadores, é substituída pela obrigação de respeitar e não violar. A garantia de reparação integral, baseada na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é assegurada como mecanismo de superação da responsabilidade social corporativa, assim, o automonitoramento também é deixado de lado e se concede maior poder de fiscalização aos sindicatos, o que demonstra um aprofundamento e uma ampliação nesse quesito que antes era regido apenas pela devida diligência

A partir disso, pode-se dizer que o projeto foi capaz de superar as fragilidades do instituto, que já foram apontadas no primeiro post e melhor elucidadas ao longo da série por meio da análise de leis de devida diligência. Assim, o instrumento normativo demonstra sua amplitude e capacidade regulatória o que, no entanto, depende de sua aprovação sem que haja emendas significativas do texto, algo que demandará grande mobilização da sociedade civil e força política durante o processo legislativo. Cabe ressaltar que a lei será aplicada a todas as empresas que não se enquadrem na categoria de micro ou pequena empresa.

Para ilustrar o que foi dito, seguem dois dispositivos do PL 572/2022 que citam a devida diligência e tratam de ampliar sua aplicação e superar a exclusividade do automonitoramento. 

“Art. 7°. As empresas deverão realizar processo de devida diligência para identificar, prevenir, monitorar e reparar violações de direitos humanos, incluindo direitos sociais, trabalhistas e ambientais, devendo, no mínimo: 

I – Abranger aquelas que a empresa pode causar ou para as quais possa contribuir, por meio de suas próprias atividades, ou que estejam diretamente relacionadas às suas atividades e operações, produtos ou serviços por meio de suas relações comerciais; 

II – Ser contínuo, reconhecendo que os riscos de violação aos direitos humanos podem mudar com o passar do tempo, conforme se desenvolvem suas atividades e operações e o contexto operacional da empresa;”

“ Art. 9°. inciso XVIII – Evitar que o monitoramento da atividade empresarial pelas próprias empresas substitua a fiscalização destas por parte do Estado, no tocante às medidas de segurança, preventivas de ocorrência de desastres e de graves acidentes de trabalho, cumprimento da legislação ambiental, bem como quaisquer outras relacionadas às garantias fundamentais de proteção aos Direitos Humanos em todas as suas dimensões;”

Lei de Escravatura Moderna do Reino Unido 

A Lei de Escravatura Moderna foi aprovada em 2015 pelo parlamento britânico determina que empresas com receita acima de 42 milhões de euros devem emitir relatórios anuais que comprovem ações contra a escravatura e o tráfico humano em seus negócios e cadeia de fornecedores.

Contudo, a normativa só dispõe sobre possíveis conteúdos dos relatórios, como a avaliação do risco de escravatura e tráfico de pessoas, o monitoramento e a gestão, não se mostrando efetiva na prática já que diversos casos foram publicizados desde sua adoção, principalmente durante a pandemia da Covid-19, e nenhuma medida sancionatória ou de responsabilização foram tomadas. 

Uma pesquisa realizada pelo Business & Human Rights Resources Centre em 2021 demonstrou que apenas 60% das empresas produzem relatórios de acordo com a lei e que nos seis anos analisados nenhuma sanção ou penalidade foi imposta às empresas que não cumpriram com o dever de apresentar relatório, o que comprova a falta de coercitividade  e medidas que assegurem seu cumprimento, ainda que seja apenas o de relatar e realizar a devida diligência nas cadeias de suprimento.

Junto a isso, os resultados refletem a insuficiência de normativas que ensejam a voluntariedade e a baixa adesão das empresas em cumprir algumas exigências, que na concretude dos fatos não são capazes de reduzir efetivamente as violações de direitos humanos nos ambientes laborais. Outra crítica realizada à lei diz respeito ao seu texto, que configura o cumprimento mesmo que o relatório da empresa ateste a inexistência de medidas para enfrentar os riscos de condições de trabalho análogas à escravidão ou do tráfico de pessoas, visto que os requisitos mínimos da lei são a publicação de um parecer no site da empresa que seja assinado por um diretor e aprovado pelo conselho.

Lei Holandesa de Devida Diligência sobre Trabalho Infantil  

A lei, que entrou em vigor no dia 1° de janeiro de 2020, diferentemente dos instrumentos normativos analisados, versa apenas sobre devida diligência. Entretanto, ela não abrange em seu conteúdo matéria de meio ambiente e de todos os diretos humanos, sendo restrita à proteção de crianças e adolescentes no que se refere ao trabalho infantil

Desse modo, a normativa determina que todas as empresas holandesa realizem a diligência das cadeias produtivas e atestem a não utilização de mão de obra infantil, sendo o presidente do conselho de administração o responsável pela constatação. 

Para definir trabalho infantil ela adota como parâmetro as as Convenções 138 e 182 da OIT sobre idade mínima no trabalho e sobre as piores formas de trabalho infantil. Já para as empresas situadas em Estados não signatários, a lei estabelece critérios e considera trabalho infantil como aquele realizado por crianças ou adolescentes em idade de frequência escolar compulsória ou, assim não ocorrendo, menores de 15 anos em atividades que sejam incompatíveis com sua idade.

Em caso de descumprimento do dever de devida diligência, a lei holandesa prevê como sanção multas administrativas, além da responsabilização penal dos administradores por violação à Lei de Crimes Econômicos caso haja reincidência.

No próximo post, último da série, daremos sequência à análise de normativas sobre devida diligência em matéria de direitos humanos dando enfoque à Lei de Devida Diligência Alemã (Act on Corporate Due Diligence Obligations in Supply Chains) que está diretamente ligada ao novo projeto do Homa que é o desenvolvimento da pesquisa “Repercussões da Lei de Devida Diligência Alemã no Brasil”. Desse modo, traremos uma breve análise sobre sua aplicação e seus limites, além de um caso concreto para elucidar os temas analisados. 

 

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