Reflexões sobre o modelo brasileiro de Acordos de Investimentos

 

Por Silvia Marina Pinheiro
Possui graduação em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1986), mestrado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2005). Atualmente é professora de Responsabilidade Social Corporativa, Supervisora da Clínica de Prática Jurídica – Laboratório Jurídico de Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas – RJ, consultora externa do Centro de Direitos Humanos e Empresas na Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisadora visitante na Universidade de Essex na área de Negócios e Direitos Humanos. Ver Currículo Lattes

 

Os Acordos Internacionais são apontados como um dos caminhos de retomada do crescimento em um contexto de desvalorização cambial e passados alguns anos de política externa que limitou-se a inserção de setores “eleitos” pelo mercado internacional. A rodada multilateral de comércio de Doha, comandada pelo representante brasileiro Roberto Azevedo, atual Diretor da OMC, aponta para mudanças na dinâmica das negociações comerciais, fato que deriva da reorganização dos contextos político e econômico mundial e da lentidão de respostas por instituições construídas no pós-guerra que carecem de renovação em suas estruturas. Por consequência, proliferam os Acordos regionais e plurilaterais de comércio e investimentos e em menor intensidade. Em contrapartida, os Acordos Bilaterais e o Brasil tem papel irrelevante.

Os integrantes do MERCOSUL se encontram em período de travessia de modelos econômicos traumáticos resultantes de forte pressão social e política; os acordos comerciais com a União Europeia, os EUA entre outros, naufragaram ante à pressão, principalmente, do setor agrícola brasileiro pela abertura de mercados entre outros temas. A ausência de investimentos que propiciariam a geração de maior competitividade não gera alternativas a tais problemas, mas a impressão de que se está agindo na esfera internacional, consoante uma estratégia de aproximação sul X sul, com resultados questionáveis.

Assim, chega-se aos Acordos de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos, APPIs, assinados entre o Brasil e países da América Latina e África. São cinco, até agora, que seguem a estrutura do chamado modelo brasileiro de APPIs: celebrados com Moçambique, Angola, Malaui, México, Colômbia.

Diversas análises realizadas sobre o modelo de APPI adotado destacaram avanços, mas também atrasos, ao deixar de inserir em seu conteúdo cláusulas que reflitam as verdadeiras urgências das relações entre investidores, Estados, empresas e comunidades.

Certamente o maior avanço foi superar a inércia, retomar a discussão do papel do Direito Internacional e da política externa brasileira e a valorização de processo que contou com diplomatas, técnicos do MDIC, mas que precisa de forma urgente incluir a sociedade civil.

Também entre os avanços mais palpáveis centram-se perspectivas de criação de agendas temáticas e o capítulo sobre governança estabelecendo pontos focais, mecanismos de solução de disputas, evitando o confronto em cortes arbitrais entre Estado e Investidor com resultados prejudiciais aos países em desenvolvimento.

Por outro lado, sob um ponto de vista mais técnico, permaneceram vagos alguns temas, como o da relação entre os princípios da justiça e da igualdade (fair and equitable principle) e o da autonomia regulatória, compensação e expropriação indireta e implicações práticas sobre cláusula de nação mais favorecida para países que integram acordos regionais com previsões diferenciadas sobre os mesmos temas.

Relativamente ao fair and equitable principle, contido na cláusula sobre transparência (especialmente no caso do APPI com o México), o país receptor deve estar atento para que qualquer nova regulação seja “razoável” e emitida de forma transparente, de modo a não afetar os investimentos cobertos.

Os Acordos assinados não mencionam e sequer definem expropriações indiretas, mas destacam que, no caso delas ocorrerem, o instituto será regido pela lei interna do país receptor, transcrevendo, apenas, os princípios gerais a serem obedecidos.

Os princípios da Nação Mais Favorecida – NMF e o do Tratamento Nacional se encontram inseridos nas cláusulas de não discriminação dentro dos APPIs. Sobre o tema da NMF, os Acordos Bilaterais podem conflitar com cláusulas negociadas com terceiros países, integrantes de acordos regionais, resultando em conflitos sobre o que pode ser considerado discriminação, dependendo da especificidade ou anterioridade no trato do tema. Por exemplo, a fim de enfatizar a obrigatoriedade de recurso ao sistema de solução de disputas dos APPIs, estes preveem que a não utilização de outras opções para solução de conflitos decorrentes de acordos com terceiros países não significa discriminação.

Finalmente, o conteúdo de Responsabilidade Social Corporativa contido nos Acordos reproduzem princípios vazios de ações práticas, mas se trabalhados conjuntamente com a Parte III sobre Governança Institucional e Prevenção de Controvérsias podem gerar caminhos mais eficazes de inserção da sociedade civil na defesa dos Direitos Humanos e do desenvolvimento sustentável. Destaca-se os itens c, g e h do Artigo 13 do APPI com o México:

c) promover o fortalecimento da construção das capacidades locais, por meio de uma estreita colaboração com a comunidade local;

g) desenvolver e aplicar práticas de autorregulação e sistemas de gestão eficazes que promovam uma relação de confiança mútua entre as empresas e as sociedades nas quais conduzem suas operações;

h) promover o conhecimento dos trabalhadores quanto à política empresarial mediante a apropriada difusão desta política, recorrendo inclusive a programas de formação profissional;

A Parte III sobre Governança, nos Artigos 14 e 15 do APPI com o México, preveem a formação de Comitê Conjunto com a participação da sociedade civil, além de grupos ad hoc que poderão ser integrados pelo setor privado e que serão temáticos. O respeito aos Direitos Humanos se faz visível na alínea “b” do Art. 13 do APPI, na parte sobre Responsabilidade Social Corporativa, devendo portanto, estarem presentes no Comitê representantes da área dos Direitos Humanos do setor público e terceiro setor.

Ainda que não expressamente mencionada a participação da sociedade civil nos grupos ad hoc, uma vez que o dispositivo fala apenas em setor privado, nada impede que isso aconteça ou que paralelamente sejam criados grupos da mesma natureza. Esses conteriam pautas específicas sobre temas que foram abordados pelo APPI, visando o seu aprimoramento pelo grupo formado por representantes da academia e organizações não governamentais, levando as propostas ao Congresso Nacional.

Deste modo, poderá ser cobrada a apresentação de um mecanismo eficaz de colaboração do investidor com a sociedade civil, bem como um sistema de gestão e monitoramento contínuo que promova a relação entre empresa e comunidades. Indispensável também que exista transparência das políticas empresariais, de modo a torná-las acessíveis aos trabalhadores e comunidades no entorno, como determinam as letras c), g) e h) reproduzidas do APPI com o México.

Ainda, no caso do procedimento de solução de disputas do APPI, caso não obtido acordo entre as partes, adquire extrema importância a escolha dos árbitros. Neste caso, ocorrerá a formação de tribunais específicos na condução da disputa entre Estados. É fundamental que exista o acompanhamento e controle pela sociedade civil na escolha desses árbitros que julgarão as controvérsias.

Cumpre salientar que no dia 8/12 ocorreu no Palácio do Itamaraty uma reunião entre advogados, professores universitários, funcionários do MDIC e representantes do Ministério das Relações Exteriores. O tema foi o novo modelo de Acordos Bilaterais de Investimentos brasileiro: os APPIs. Restou claro o esforço empreendido pelo governo brasileiro no enfrentamento do tema da política comercial e a importância dos acordos para as exportações e a proteção dos investimentos brasileiros.

No entanto, chamou atenção a falta de discussões sobre os temas dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Sustentável no evento, ainda mais tendo em vista a catástrofe da barragem de Fundão, ocorrida na cidade mineira de Mariana. Vale lembrar que os dois sócios da SAMARCO são multinacionais brasileira e anglo australiana. Além disso, o fato do evento ter ocorrido durante a realização da COP 21 parece da mesma forma, não ter tido qualquer repercussão. Fóruns de discussão estanques não contribuem com a busca da convergência de interesses, necessária à evolução da sociedade global que demanda um olhar amplo, holístico.

A defesa dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Sustentável não se opõe aos interesses econômicos, uma vez que a priorização dos dois temas é o que torna, hoje, países e empresas mais competitivas, esse é o caminho que deve ser perseguido por um país como o Brasil, com transparência e determinação.

 

 

 

 

0 respostas

Deixe uma resposta

Quer participar da discussão?
Fique a vontade para contribuir!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.