Nota de Repúdio ao rompimento de barragens em Bento Rodrigues

O recente episódio envolvendo a mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, constitui mais uma tragédia decorrente das atividades ligadas à mineração no país. A enxurrada de lama e rejeitos sólidos deixou inúmeros feridos e desaparecidos, bem como produziu vítimas fatais no distrito de Mariana, cuja prefeitura estima cerca de 2 mil pessoas atingidas. Embora o Corpo de Bombeiros em Ouro Preto não tenha divulgado ainda os números oficiais, o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Ferro e Metais Básicos de Mariana (Metabase) declarou haver de 15 a 16 mortos e 45 desaparecidos. Além disso, os dados recolhidos pela G1 constatam que houve a destruição de 158 das 180 casas do vilarejo de MG. Dentre as centenas de pessoas desabrigadas, muitas se encontram em estado de choque e necessitam de medicação pelo abalo psicológico sofrido.

Os riscos ao ambiente gerados pela liberação de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos também devem ser analisados. Apesar de a mineradora Samarco ter garantido que não há nada tóxico nos rejeitos de minério de ferro liberados durante o acidente, a liberação de material equivalente a 24.800 piscinas olímpicas não passará inofensiva. O especialista em análise de risco e analista ambiental do Ibama, André Naime, declarou para o portal EBC : “O vazamento acarretou soterramento de vegetação, áreas de mananciais e carreamento de sedimentos e assoreamento de corpos híbricos, além dos prejuízos às populações afetadas, impactos evidentes até mesmo pelas imagens”.

Além disso, o professor de geotecnia da COPPE (UFRJ), Maurício Erlich, em relato à BBC , afirma: “O problema não é o material em si, mas o fato de a lama ter coberto a região, soterrando a vegetação. Esse resíduo é pobre em material orgânico, ou seja, não favorece o crescimento de vegetação. Assim, o que acontece é que essa lama vai começar a secar lentamente, criando uma capa ressecada por cima do solo, dificultando a penetração de água. E, por baixo, o solo segue mole”. Afirmou ainda que, além do solo infértil, outro impacto ambiental está relacionado aos rios da região. Com o vazamento, os sedimentos vão sendo arrastados e se depositando nos trechos onde a corrente é mais fraca. Isso prejudica a calha dos rios, que podem ser assoreados, ficarem mais rasos ou até terem seus cursos desviados.

Outro especialista, o professor de geologia da Universidade Estadual de Londrina, Cleuber Moraes Brito, contribui na análise: “Essa lama avermelhada deve causar danos em todo o ecossistema da região, impactando por anos seus rios, fauna, solo e até os moradores, no sentido de que o trabalho deles, como a agricultura, pode se tornar impraticável”. Segundo o professor, esse solo recebe uma incorporação química anormal, já que o resíduo tem excesso de ferro, que pode alterar o pH da terra. Ele continua: “Mudança no perfil do solo, impacto nos recursos hídricos, na fauna. Quanto tempo a natureza vai demorar para assimilar tudo isso?” . De acordo com Brito, apesar de ainda ser cedo demais para se ter essa resposta, é possível dizer que um programa para resgatar a área degradada em Mariana dure cerca de 5 a 10 anos.

Cabe ressaltar que um laudo técnico elaborado a pedido do Ministério Público de Minas Gerais alertou, em 2013, sobre os riscos de rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (a 115 km de Belo Horizonte), da mineradora Samarco. Fundamentado neste laudo, o Ministério Público recomendou à época “a elaboração de estudos e projetos sobre os possíveis impactos do contato entre as estruturas”. Em seu parecer, o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto sugeriu realizar uma análise em caso de ruptura da barragem, monitoramento periódico e apresentação de plano de contingência em caso de acidentes. Ainda evidenciando os avisos sobre o risco presente, a classificação das duas barragens de rejeitos na Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), responsável pelo licenciamento das estruturas, é de classe 3, ou seja, de “ alto potencial de dano ambiental”.

Nada disso, entretanto, foi capaz de impedir a tragédia, que não apresenta um caso isolado. Desde 2001 cinco acidentes de porte parecido foram registrados em Minas Gerais – em Macacos, Cataguases, Miraí, Muriaé e Itabirito.O último rompimento de barragem na região ocorreu no ano passado, em que três operários morreram e um ficou ferido após o rompimento de uma barragem da empresa Herculano Mineração, em Ouro Preto. A gravidade e a recorrência dos acontecimentos aponta para a necessidade de cumprir com mais seriedade as condições que autorizam o licenciamento e que exigem um monitoramento posterior à sua concessão. O rompimento de barragens é uma triste e cruel realidade de uma região dominada pela sede de lucro das mineradoras.

A responsabilização das empresas envolvidas constitui um passo necessário para a prevenção de novas tragédias, devendo ser investigadas no caso em questão a ocorrência de violações ao direito humano à vida, integridade física, moradia, ambiente, à prestação de serviços públicos em Educação e Saúde, entre diversos outros que se somam aos cometidos anteriormente pela empresa. Em abril deste ano, a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale divulgou um relatório denunciando as violações de direitos humanos realizadas. Os dados do documento desmentem o discurso de responsabilidade socioambiental da Vale, evidenciando a má conduta da empresa no Brasil e em mais oito países onde opera.

Dentre os casos denunciados, destaca-se o emprego de trabalho em condições análogas às de escravo, na cidade de Itabirito, Minas Gerais. Já no Pará, a atuação da Vale vem causando graves danos ao meio ambiente na região da Terra Indígena Mãe Maria, incluindo o ressecamento dos igarapés. Em São Luís, Vitória e Rio de Janeiro, a contaminação das águas em portos da Vale compromete a sobrevivência dos pescadores. Estes são apenas alguns exemplos da extensão e variedade de violações cometidas pela empresa, evidenciando que as ocorridas pelo fato do rompimento das barragens não estão isoladas.

O HOMA manifesta o seu repúdio à recorrente violação de direitos humanos gerados pelas atividades relacionadas à mineração e declara sua total solidariedade para com os atingidos.

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