Povos indígenas conseguem judicialmente que o governo federal aja pela proteção e contra a disseminação do Covid-19 nas aldeias

O Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 05 de agosto de 2020, fez o julgamento da medida cautelar que previa como obrigação do governo a implantação de um plano emergencial de proteção aos povos indígenas na pandemia do corona vírus (COVID – 19). A sessão começou no dia 03 de agosto, mas foi adiada para dia 05, data em que a liminar concedida pelo Ministro Luís Roberto Barroso fora confirmada, obrigando o governo federal a adotar medidas para proteção e enfrentamento da pandemia em terras indígenas.

A decisão em que o Ministro Barroso é Relator refere-se à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e mais seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT). A representação indígena argumenta sobre a maneira como o governo federal tem lidado com a pandemia nas aldeias. Salientam, sobretudo, a omissão do Estado e a invasão dos territórios indígenas por garimpeiros e pessoas ligadas aos setores extrativistas, responsáveis por levar o vírus aos povos. O Centro de Sensoriamento Remoto (CSR-UFMG) junto ao Instituto Socioambiental (ISA), em um estudo sobre a vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil ao COVID-19, aponta a pandemia como um fator de fragilização das políticas públicas de saúde e de proteção territorial. Esse estudo coloca a vulnerabilidade social como fator facilitador da propagação do vírus, principalmente em lugares com diversidade de contextos regionais, sobretudo em Terras Indígenas que sofrem com a invasão de garimpeiros, como na Terra Indígena do estado de Roraima, destacando-se a Terra Indígena Yanomami.

Dentre as medidas principais reivindicadas pela Apib estão: a criação de barreiras sanitárias e sala de situação, apresentação de um plano de enfretamento pelo governo e a retirada de invasores.  Sobre essa última, o STF argumentou a necessidade de protocolos de atuação, plano de desintrusão, para que a partir de então haja a retirada dos invasores, ação que deveria ser realizada pela Polícia Federal, com apoio da Polícia Militar e uma equipe multidisciplinar (médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais etc). A partir da confirmação da decisão que se deu no dia 05 de agosto, o governo passa a ter um prazo de trinta dias para elaborar o Plano de Enfrentamento do Covid-19 entre a população indígena. Espera-se que essa vitória contribua para a diminuição da pandemia nas aldeias, que já estão mais vulneráveis em comparação aos demais seguimentos da sociedade, face à carência das políticas públicas de saúde e de proteção territorial, além do fato de que as principais vítimas fatais do corona vírus serem idosos, o que para os povos indígenas são as pessoas referências de sua cultura e ancestralidade, uma vez guiam-se sobretudo pela tradição oral.

Nesta sexta-feira, 07 de agosto de 2020, o STF determinou que o Plano de Barreiras Sanitárias para Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRCs) seja implementado pelo governo federal, como uma das ações para evitar o alastramento da Covid-19 nas aldeias. O Ministro ressalta que a definição das barreiras sanitárias é um ponto principal para conter a disseminação do vírus. Nessa data, o número de casos de covid-19 confirmados dentre população indígenas é de 23038, tendo afetado a 148 povos e com 646 indígenas mortos em decorrência do desse vírus, conforme acompanhamento do Instituto Socioambinetal (ISA). A representação indígena argumentou durante o julgamento que a omissão do Poder Público é um “verdadeiro genocídio, podendo resultar no extermínio de etnias inteiras” e apontam que enquanto a população brasileira, de maneira geral, tem a taxa de mortalidade de 5,6% por covid-19, dentre os povos indígenas ela é de 9,6%.

Atualmente, o Brasil possui o registro de 305 povos indígenas, 274 línguas e 114 povos isolados. A ação tem um caráter histórico, por ser a primeira vez que os povos indígenas acessam o Judiciário de maneira independente, como afirma o advogado da Articulação dos Povos Indígenas (APIB), Dr. Luiz Eloy Terena:

“Essa ADPF é a voz dos povos indígenas nesta corte, é o grito dos povos indígenas […]. Pela primeira vez os povos indígenas vêm ao Judiciário em nome próprio, com advogados próprios, defender interesses próprios”.

O reconhecimento dos indígenas enquanto sujeitos de direito só foi possível a partir da Constituição Brasileira de 1988. Anteriormente, o ordenamento os referenciava como silvícolas e sempre um uma posição subalterna que “necessitava” ser tutelada pelo Estado.

O atual governo de Bolsonaro e seus apoiadores é, mesmo desde antes da eleição, comprometido com a agenda neoliberal, neoextrativista e neocolonizadora, que não contempla o povo brasileiro, viola direitos humanos, não cumpre direitos e garantias fundamentais e só beneficia as grandes empresas, transforma a vida e a natureza em mercadorias. Essa ADPF é uma demonstração que mesmo em um cenário tão ruim e desesperançoso, todo o processo histórico de luta dos povos indígenas é o que possibilita que hoje sua cultura esteja viva, rompendo os processos assimilacionistas e integracionistas, ainda que sob constante ameaça e violações de seus Direitos Humanos.

 

Referências:

ADPF: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5952986

http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=448997&ori=1

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=449193

http://apib.info/2020/08/03/essa-acao-e-a-voz-dos-povos-indigenas-no-stf/

https://covid19.socioambiental.org/?gclid=CjwKCAjw97P5BRBQEiwAGflV6aiTu3dDL5gnyKCa8VeE-L7n0z5UuQ4_7SWlWj2XcUci07K9yYRsPxoCpq0QAvD_BwE

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