Grupo de trabalho da ONU sobre direitos humanos e empresas: Homa divulga análise do relatório da visita ao Brasil e lança campanha pelo tratado vinculante

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O Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos Humanos, Empresas Transnacionais e Outras Empresas apresentou ao Conselho de Direitos Humanos, no dia 16 de junho, o Relatório da visita realizado ao Brasil entre os dias 07 e 16 de dezembro de 2015. A visita – primeira à região da América Latina e Caribe – é parte do mandato do GT, que tem como um de seus objetivos, além de promover a disseminação e implementação dos Guiding Principles de Ruggie, diagnosticar a situação dos direitos humanos dos países por onde passa, além de fazer recomendações aos governos nacionais, empresas e sociedade civil.

O relatório apresenta pontos importantes sobre questões cruciais acerca do atual estado de proteção dos direitos humanos no Brasil, principalmente no tocante aos grandes empreendimentos de infraestrutura, como a hidroelétrica de Belo Monte, ao agronegócio e aos mega-eventos, como a realização da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Nesse sentido, diversas comunidades direta e indiretamente afetadas por violações tiveram a oportunidade de descrever suas experiências ao Grupo de Trabalho em uma das 5 cidades visitadas. Relatos sobre as violações ocorridas em decorrência do projeto de mineração Belo Sun, no rio Xingú, dos projetos de desenvolvimento na Baia de Sepetiba, no Rio de Janeiro, do complexo industrial do Porto de Suape em Recife, Pernambuco, das propostas de barragens para hidroelétricas no Rio Tapajós, entre outros, foram denunciados ao Grupo de Trabalho nessas ocasiões.

O Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas também esteve presente nas reuniões realizadas no Rio de Janeiro e em Mariana – cidade esta que acabava de ser palco de um dos maiores desastres ambientais da história do país, com o rompimento da barragem do Fundão, no distrito de Bento Rodrigues – onde foi entregue relatório produzido sobre o Complexo Portuário do Açu e seus impactos devastadores na população da cidade de São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro, que também é citado no texto divulgado.

O relatório produzido pelo GT ainda aponta problemas estruturais nos processos de licenciamento ambiental desses projetos e explicita a preocupação do grupo com a promíscua relação entre o capital privado e o poder público no país, criticando o alto grau de influência que as grandes corporações têm no processo decisório e de formulação de legislações e políticas públicas, além da incoerente postura do Estado, que funciona como principal financiador de tais projetos através do banco estatal de desenvolvimento, o BNDES.

Especial destaque é dado as insuficiências constatadas nas audiências públicas realizadas como parte dos processos de licenciamento ambiental e na necessidade de se tomar medidas que diminuam as assimetrias entre a participação dos povos afetados e os demais envolvidos nesses projetos, como as grandes corporações e o próprio Estado, em respeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que trata dos direitos das populações locais de serem consultados de maneira prévia, livre e informada – desde as fases iniciais de planejamento – sempre que alguma Decisão Administrativa ou Legislativa possa afetar suas comunidades, suas terras ou seu modo de vida.

O governo brasileiro, entretanto, desempenhou um triste papel durante a sessão de apresentação do Relatório, uma vez que tentou rebater dados e fatos já amplamente divulgados por organizações não-governamentais e centros de pesquisa acadêmicos com larga tradição de advocacy e pesquisa na área. Ao tentar encobrir ou atenuar o impacto das reiteradas violações de Direitos Humanos por empresas, em nosso território, o Estado brasileiro fere uma forte tradição existente no âmbito dos  Sistemas Internacionais de Proteção de Direitos Humanos, e cuja lógica também deve ser aplicada ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, ou seja, o reconhecimento da responsabilidade do país na ocorrência de ditas violações e a proposição do  aprimoramento de ações de prevenção e também de reparação dos danos aos afetados.

 

Abordagem voluntarista e foco nos Estados

Apesar das relevantes críticas realizadas pelo Grupo de Trabalho, a simples leitura do relatório permite notar o foco dado ao ente estatal e o caráter voluntarístico definidor dos Princípios Orientadores: das 32 recomendações feitas no texto, apenas 7 são voltadas para as corporações. Alguns trechos reforçam ainda mais esse posicionamento, principalmente na análise do caso do desastre de Mariana, onde o relatório afirma que “Apesar da Samarco ser responsável por reparar o dano causado, o Governo Federal permanece sendo o garantidor primário dos direitos humanos das comunidades afetadas”.

O caso da mineradora em Mariana se mostra particularmente icônico nesse sentido à medida que sua própria estrutura societária é um exemplo clássico de uma das faces da chamada arquitetura da impunidade, em que as corporações usam de elaboradas cadeias de personalidades jurídicas distintas com a finalidade de proteger seus ativos, em casos de violações graves de direitos humanos como as ocorridas em Bento Rodrigues. A  negociação do acordo de recuperação entre as empresas e o Estado nesse caso em particular também foi caracterizada pela falta de participação as comunidades atingidas.

Tendo em vista essas colocações, cabe-nos reafirmar a insuficiência de medidas de caráter voluntário como os Princípios Orientadores no campo da proteção dos direitos humanos contra abusos cometidos por grandes corporações transnacionais. A escalada de poder e influência do capital transnacional faz necessária a imposição de normas e diretivas vinculantes que restaurem a primazia do respeito e proteção aos direitos humanos em detrimento da proteção do investimento. Por esse motivo, a aprovação da resolução 26/9, que estabelece grupo de trabalho intergovernamental com o mandato de elaborar um instrumento internacional normativo de caráter vinculante, de iniciativa do Equador e da África do Sul, representa um marco importante na retomada das discussões sobre a imputação objetiva do ente empresarial, bem como a instituição de instrumentos de cooperação internacional para a obtenção de remédios efetivos para as vítimas dessas violações.

E é com a finalidade de denunciar esse padrão de atuação das empresas nos territórios nacionais, que se agrava face à impunidade da qual as corporações se beneficiam, muitas vezes associada à conivência ou cumplicidade dos Estados aonde desenvolvem suas atividades econômicas, que o Homa apoia a criação de um tratado vinculante, se junta à Campanha pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e Fim da Impunidade, e, a partir de hoje, lança a sua campanha “1 minuto pelos Direitos Humanos” (1minutopelosdireitoshumanos.com).

A campanha consiste em uma série de vídeos, com depoimentos colhidos durante o III Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas, organizado pelo Homa e a Fundação Friedrich Ebert (FES) e realizado na PUC-Rio, entre os dias 27 e 29 de abril de 2016, que reuniu mais de 40 painelistas, desde afetados por violações de Direitos Humanos a membros de Organizações não-governamentais, representantes governamentais e acadêmicos, tanto brasileiros quanto internacionais.

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