Homa acompanha processo de mobilização da sociedade civil para interlocução com o governo brasileiro sobre a negociação de tratado de Direitos Humanos e Empresas

 TRATADO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS E A DIFICULDADE DE TOMADA DE POSIÇÃO DO BRASIL

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Em julho de 2014, foram aprovadas na 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU duas resoluções fundamentais para o futuro da agenda global sobre Direitos Humanos e Empresas. A Resolução 26/09 tinha como conteúdo a prorrogação por mais três anos do prazo de existência do Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, e foi aprovada com largo quórum. A Resolução 26/22, liderada por Equador e África do Sul, dizia respeito ao desenvolvimento de um Tratado Internacional sobre a temática, e foi aprovada com uma margem pequena, gerando controvérsia e sendo apontada como responsável pelo rompimento do consenso na área.

Essa última resolução foi aprovada graças ao árduo trabalho de uma aliança global de organizações não governamentais e movimentos sociais, chamada de “Treaty Aliance”, que vem trabalhando e pressionando diversos governos a se posicionarem por um marco regulatório vinculante para as atividades das empresas em relação aos Direitos Humanos.

O contexto da sessão do Conselho não era favorável à votação de duas resoluções sobre o mesmo tema, e os países líderes das duas resoluções tentaram articular as duas propostas e juntá-las em uma única resolução, no entanto, já estava sendo feito lobby por diversas organizações e figuras alinhadas com o setor empresarial para convencer os Estados de que não havia complementaridade entre as duas propostas.

A Câmara Internacional de Comércio (ICC) e a Organização Internacional de Empregadores (IOE) já vinham se organizando para passar a imagem de que um Tratado Internacional levaria à ruptura do “tão valioso” consenso internacional conseguido pelos Princípios Orientadores sobre Direitos Humanos e Empresas, de 2011[1]. E estas organizações tem contado com o apoio de John Ruggie, que tem constantemente declarado essa ruptura do consenso, e publicado diversos trabalhos apontando os desgastes e dificuldades que podem ser encontrados no processo de desenvolvimento do Tratado.

Assim, ter conseguido aprovar a Resolução 26/22 foi uma grande vitória para a “aliança para o Tratado”, em acirrada disputa por espaço na arena da sociedade civil global, e para os Estados do “Sul global” envolvidos no processo do Tratado.

Como resultado da aprovação da Resolução 26/22, foi designada a criação de um Grupo Intergovernamental para elaboração de uma proposta de Tratado Internacional, que se reunirá pela primeira vez em Julho deste ano. Nesta reunião será escolhido o/a presidente do Grupo Intergovernamental, e serão definidas as diretrizes básicas para desenvolvimento do Tratado, como cronograma de reuniões, consultas a especialistas e metodologia de participação da sociedade civil.

Na ocasião da 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, o Brasil se absteve na votação da Resolução 26/22 sob o argumento de que ainda não havia uma posição definida sobre a questão, demonstrando um descompasso entre a representação brasileira em Genebra e o Ministério das Relações Exteriores em Brasília.

Um agravante à ausência de posição do governo brasileiro em relação ao Tratado Internacional é a movimentação para o desenvolvimento de um Plano Nacional de Ação em Direitos Humanos e Empresas na Secretaria de Direitos Humanos. Está sendo realizada pesquisa pela Secretaria em parceria com a Fundação Getúlio Vargas – São Paulo (FGV-SP) para identificar os atores relevantes para o debate, e as políticas já desenvolvidas pelo governo federal de maneira esparsa sobre o tema, e esta possui prazo de entrega de resultados para o final de 2015.

Com a constante disseminação da informação de que assumir uma postura proativa no processo do Tratado Internacional significaria romper com o consenso estabelecido em 2011 ao redor dos Princípios Orientadores, e com o trabalho para o desenvolvimento do Plano Nacional de Ação, o Brasil tem optado por agir cautelosamente em relação ao Tratado, e isso pode significar a ausência de posicionamento, novamente, na primeira reunião do Grupo Intergovernamental, em Julho de 2015.

No dia 16 de março de 2015, alguns representantes da REBRIP (Rede Brasileira para Integração dos Povos), Justiça Global, Terra de Direitos, IBASE e Homa, organizações não governamentais e centro acadêmico brasileiros envolvidos no debate de Direitos Humanos e Empresas foram à Brasília questionar algumas agências do governo sobre o posicionamento do país no processo de desenvolvimento do Tratado Internacional e o que se pode esperar na próxima reunião do Grupo Intergovernamental.

Na ocasião, foi possível fazer um mapeamento provisório dos atores envolvidos e fomos recebidos pela Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, na pessoa do secretário Luís Balduíno, que demonstrou desconhecimento dos debates na esfera internacional, mas se dispôs a se inteirar do assunto e estabelecer debates futuros mais profundos. Também fomos recebidos por Fabiana Moreira e Pedro Saldanha do Ministério das Relações Exteriores, que ressaltaram a necessidade de uma pressão da “sociedade civil” para o andamento dos debates, visto que não houve muito avanço para a definição de uma posição por parte do Brasil, e sugeriram a criação de um Grupo Interministerial para discussão da temática de definição da posição do país. E por fim, fomos recebidos por Rodrigo Oliveira e Cláudia Arai da Secretaria de Direitos Humanos, que relataram o trabalho que está sendo realizado em relação ao Plano Nacional de Ação brasileiro e se dispuseram a estabelecer maior contato com as organizações para fortalecer o debate em torno do Tratado Internacional, recebendo muito bem a ideia do Grupo Interministerial.

É importante relatar algumas impressões.  O governo não demonstrou ter se apropriado institucionalmente da temática, ou definido a estratégia de participação nas futuras reuniões do Grupo Intergovernamental,  assim como não apresentou a composição definitiva da sua representação nas mesmas.  Desta forma, a importância e o caráter que o governo atribuirá à dinâmica dessas reuniões não está clara, ou mesmo definida, carecendo, mais uma vez, de um tratamento institucional que reflita um posicionamento integrado.

Desta forma, percebe-se como necessária a pressão das organizações não governamentais e dos movimentos sociais para a inserção deste debate de maneira forte nas pautas do governo, ou em Julho próximo o Brasil, mais uma vez, perderá a oportunidade de assumir papel político importante na esfera internacional, principalmente pelo fato da África do Sul, China e Rússia terem votado a favor da Resolução 26/22 em 2014 e aparentarem estar alinhadas para tomar posições firmes na reunião do Grupo Intergovernamental, que será importantíssima para o processo do Tratado.

 

Luiz Carlos S. F. Jr.

Pesquisador Associado – Homa


[1] Um exemplo de comentários negativos da ICC sobre o Tratado Internacional disponível em: <http://www.iccwbo.org/News/Articles/2014/ICC-disappointed-by-Ecuador-Initiative-adoption/>.

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