Mineração e Violações de Direitos - PERU

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MINERAÇÃO E VIOLAÇÕES DE DIREITOS

PERU



MINERAÇÃO E VIOLAÇÕES DE DIREITOS

PERU


EXPEDIENTE Mineração e Violações de Direitos: o caso das empresas Vale e Odebrecht no Peru

Naturaleza y Cultura Internacional Observatorio de los Conflictos Mineros en América Latina (Ocmal) Red de Propuesta y Acción (RedMuqui) Red Peruana por uma Globalización com equidade (RedGE) Sindicato de Trabajadores da Petroperú en Piura

Realização Justiça Global

Revisão Patricia Bonilha

Autores Maíra Sertã Mansur e Luis Manuel Claps

Fotos Renato Cosentino

Colaboração Comunidade Campesina San Martín de Sechura EarthRights International (Peru) Frente de Defensa del Río Marañón Grupo de Formación e Intervención para el Desarrollo Sostenible (Grufides) Maria Júlia Gomes Andrade Plataforma Interinstitucional Celendina (PIC) Red Regional Agua Desarrollo y Democracia (Redad)

Tradução Felina Lagrutta (Espanhol) Priscila Moura (Inglês)

Projeto Direitos Humanos e Indústria Extrativa Equipe de pesquisa: Fernanda Castro Fernandes, Juliana Neves Barros, Maíra Sertã Mansur e Maria Júlia Gomes Andrade. Coordenação: Luciana Badin

Apoio Fundação Ford

Agradecimentos Asociación Frente de Pescadores Acuicultores Artesanales de Puerto Rico (AFREPAAC) Asociación Servicios Educativos Rurales (SER) Acción Solidaria para el Desarrollo (CooperAcción) Colectivo Comunal de Reflexión Sechura (La Unión) Empresa Comunal de Serviços Agropecuários San Cayetano (Ecomusa) Escola Tecnológica da Universidade de Piura Forum Solidaried Perú Frente de Defesa da Comunidade San Martín de Sechura Fundación Ecuménica para el Desarrollo y la Paz (FedePaz ) Gabriel Strautman Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) Justiça nos Trilhos Marisa Viegas

ISBN

Projeto gráfico e diagramação Flávia Mattos Impressão e Tiragem Grafitto Gráfica • 500 exemplares

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

978-85-98414-12-6 Justiça Global Equipe: Alexandra Montgomery, Alice De Marchi, Ana Esther Santos, Antonio Neto, Cristiana Andrade, Daniela Fichino, David Ramos, Francisca Moura, Glaucia Marinho, Guilherme Pontes, Isabel Lima, Lena Azevedo, Lourdes Deloupy, Mario Campagnani, Monique Cruz, Melisanda Trentin, Raphaela Lopes, Raoni Dias, Sandra Carvalho. Av. Beira Mar, 406, sala 1207 Rio de Janeiro, RJ – 20021-900 E-mail: contato@global.org.br Telefone: +55 21 2544 2320 Fax +55 21 2524 8435


INDICE 04

Siglas

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Apresentação

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1 - Energia para mineração: o caso da Hidrelétrica Chadín 2 e a Odebrecht

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2 - Mineração de fosfato: o caso do Projeto Bayóvar e a Vale

1.1 - Resumo 1.2 - Metodologia 1.3 – Contextualização 1.4 – Políticas estatais incentivadoras 1.5 – Uma atividade para os “não desenvolvidos” 1.6 – Prioridade para o Brasil 1.7 – Negação da identidade e criminalização 1.8 – Disputas por diferentes modos de vida 1.9 – Projetos conectados, lutas articuladas 1.10 - Informar para resistir

Considerações Finais Referências Bibliográficas

2.1 - Resumo 2.2 - Metodologia 2.3 – Contextualização 2.4 – Alto consumo energético e elevado volume de dejetos contaminados 2.5 – A insaciável demanda de um gigantesco sistema produtivo 2.6 - Conviver com a Vale é conviver com violações 2.7 – Um acesso ao Pacífico 2.8 – Descontentamento social 2.9 – Áreas de conservação concedidas para a mineração 2.10 – Comunidade Rural Campesina + Fundação Privada = Distrito de Mineração? 2.11 – Monoculturas para produção de agrocombustíveis

Comentários Finais


MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

SIGLAS Afrepaac - Frente de Pescadores Artesanais Aquicultores de Puerto Rico Apemar - Associação de Pescadores Artesanais Extratores de Marisco Parachique BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Caoi - Coordenadora Andina de Organizações Indígenas Capebras - Câmara de Comércio Peru-Brasil CooperAcción - Acción Solidaria para el Desarrollo Ecomusa - Empresa Comunal de Serviços Agropecuários San Cayetano EIA – Estudo de Impacto Ambiental EMRGB - Empresa Minera Regional Grau Bayóvar ERI - Earth Right International FedePaz - Fundación Ecuménica para el Desarrollo y la Paz FGV – Fundação Getúlio Vargas Fiupap - Federação de Pescadores Artesanais do Peru Fredcse - Frente de Defesa dos Interesses de Sechura Grufides - Grupo de Formación e Intervención para el Desarrollo Sostenible IEC – Instituto Evandro Chagas IED - Investimento Estrangeiro Direto IFFCO - Indian Farmers Fertiliser Co-Operative Limited IGV – Imposto Geral de Vendas 4


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

SIGLAS Iirsa - Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana JnT – Justiça nos Trilhos Knoc - Korea National Oil Corporation Mdic - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Midepsa - Minerales Industriales del Perú Ocmal - Observatorio de los Conflictos Mineros en América Latina Oefa - Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental OIT – Organização Internacional do Trabalho ONG – Organização Não Governamental Pacs - Instituto Políticas Alternativas do Cone Sul PIB - Produto Interno Bruto PIC - Plataforma Interinstitucional Celendina Pnud - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ProBayóvar - Empresa Promotora Bayóvar ProInversión - Agência de Promoção do Investimento Privado RedGE - Red Peruana por uma Globalización com Equidade RedMuqui - Red de Propuesta y Acción Reif - Regime Especial de Incentivo ao Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria de Fertilizantes RS – Resolução Suprema SER - Asociación Servicios Educativos Rurales 5


MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

APRESENTAÇÃO A escala de produção da indústria extrativa tem poucos paralelos no atual cenário de boom da exploração dos bens naturais. O montante do volume de minérios extraído somente se compara ao das violações de direitos humanos que ocorrem em toda essa cadeia produtiva. Territórios como Paracatu (Brasil), Moatize (Moçambique) e El Hatillo (Colômbia) se convertem em grandes crateras e montanhas de rejeitos; cidades, comunidades e campos são cortados por estradas de ferro e cobertos pelo pó preto do carvão, como no corredor de Nacala (Moçambique) e em Cesár e Magdalena (Colômbia); baías marítimas, como a de Sechura (Peru), são contaminadas devido às operações dos portos que escoam os minerais para serem manufaturados alhures. Dessa maneira, países da América Latina e África se consolidam na geopolítica mundial como fornecedores de matérias-primas. Os lucros são levados para fora do país e os passivos econômicos, sociais, ambientais e políticos são deixados abandonados nos territórios. A lógica predominante do atual modelo de mineração considera tudo que não é custo e lucro como excedentes, descartáveis como as montanhas de rejeitos que se formam nos horizontes das minas. Entre os “excedentes” estão as pessoas que pagam com suas terras, suas culturas e suas vidas pelo lucro das empresas. Nesse contexto, comunidades, movimentos sociais, defensores de direitos humanos e organizações resistem historicamente às violações. E é para eles que este 6


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

estudo que você tem em mãos foi realizado. Fruto de uma parceria entre organizações da sociedade civil de cinco países - Brasil, Canadá, Colômbia, Moçambique e Peru - que buscam mostrar como a atuação de empresas não somente atravessa fronteiras como também produz padrões semelhantes de violação de direitos ao lidar com governos e comunidades diretamente atingidas. Iniciado como uma parceria entre as organizações brasileiras Justiça Global, Justiça nos Trilhos e Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), o projeto “Direitos Humanos e Indústria Extrativa” parte da experiência acumulada por meio da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, da qual estas e outras organizações fazem parte. Após um amplo debate foram definidos os casos apresentados nesses relatórios, que buscam mostrar a transnacionalização das mineradoras, especialmente da Vale, empresa brasileira que, numa relação perniciosa com os Estados, internacionaliza suas operações e expande suas violações de direitos. Para as quatro publicações deste projeto foram escolhidos diferentes casos que são analisados separadamente por país, em volumes distintos, mostrando cenários de violações no Brasil, na Colômbia, em Moçambique e no Peru. Desse modo, a leitura de todos os volumes oferece um panorama maior e mais complexo de como essas operações transnacionais são implementadas nas comunidades e os impactos nocivos que causam.

A parceria com organizações locais de cada um dos países foi fundamental para a escolha das abordagens e para o planejamento das viagens de campo. A metodologia de pesquisa buscou incluir as perspectivas da sociedade civil para ampliar a voz e o protagonismo dos grupos, movimentos e das comunidades diretamente atingidas por esses empreendimentos extrativos. A ampliação dessas narrativas implica no fortalecimento e na proteção dos defensores de direitos humanos que atuam no contexto da indústria extrativa e enfrentam, em razão do seu trabalho, ameaças cotidianas e diversas outras formas de criminalização e silenciamento. Na Colômbia, a parceria estabeleceu-se com a organização de direitos humanos Pensamiento y Acción Social (PAS) e o foco do estudo é a resistência da comunidade de El Hatillo, no departamento de César, que busca o reassentamento coletivo depois que a exploração de carvão tornou impossível a permanência da comunidade no local devido aos problemas de saúde pública, contaminação do ar e dos cursos d’água da área e, ainda, inviabilização das atividades produtivas tradicionais de pesca, caça e agricultura. Em 2010, o Ministério de Meio Ambiente decretou que a comunidade deveria ser reassentada e, desde então, os moradores seguem numa difícil negociação com as empresas Colombian Natural Resources (CNR), Glencore-Xtrata e Drummond. As três foram consideradas responsáveis pelos impactos e obrigadas a cobrir os custos do processo de reassentamento das 7


MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS famílias. A empresa Vale também foi implicada no litígio, mas vendeu seus ativos para a CNR em 2012. A exploração de carvão também é o tema do relatório que foi realizado em Moçambique e que apresenta a rota de danos iniciada na Província de Tete, onde a Vale tem seu maior empreendimento fora do Brasil, a mina de Moatize. Mais de 1.300 famílias perderam suas casas devido à mineração na região, sendo reassentadas em locais sem condições de moradia e sustento adequados. O minério que sai de Tete é escoado por uma estrada de ferro chamada Corredor de Nacala que, atualmente, passa por obras de requalificação. Ela atinge as províncias de Nampula, Niassa, Cabo Delgado, Zambézia e Tete, todas em Moçambique, além de cortar o país vizinho, Malawi, até chegar ao Porto de Nacala, onde o minério é exportado, especialmente para o mercado asiático. Por onde a ferrovia passa é possível constatar violações no direito à moradia, saúde, ao trabalho e transporte. É importante destacar que o estudo foi construído em parceria com as organizações moçambicanas Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (Adecru), Justiça Ambiental (JA!), Associação de Assistência Jurídica a Comunidades (AAJC), Liga Moçambicana dos Direitos Humanos e a União Nacional de Camponeses (Unac). No Brasil, o caso escolhido foi o de Paracatu, no estado de Minas Gerais, onde a exploração de ouro levou ao desalojamento das comunidades quilombolas de Amaros e Machadinha, assim como ao envenenamento da população, à absurda incidência de câncer e à destruição do meio ambiente. Atualmente, os quilombolas lutam para serem compensados pelos impactos sofridos e pelo reconhecimento e pela preservação do território do quilombo de São Domingos, visto que a comunidade também sofre a ameaça de ser expulsa do seu território ancestral devido à ampliação da operação da mina. A empresa que explora a região é a canadense Kinross e esta é a maior mina de ouro a céu aberto em operação no Brasil. Para a realização desse relatório, a parceria foi feita com a organização canadense Halifax Initiative, que faz um monitora8

mento da atuação de empresas canadenses que atuam fora do Canadá, e com a Federação Quilombola de Minas Gerais. O volume do Peru é o único dividido em dois casos, ambos de regiões ao norte do país, mas com matizes bastante diferentes. Uma das situações descritas refere-se à região da bacia de Sechura, Província de Piura, onde o mar está contaminado pelo fosfato que embarca em navios para exportação. Proveniente de uma mina da Vale, esse minério é transportado através de caminhões e esteiras e cai sobre as águas, matando a vida marinha e atingindo diretamente a pesca artesanal na região, fonte de subsistência de inúmeras famílias. O outro caso trata da luta na Província de Cajamarca contra a instalação de hidrelétricas no Rio Marañon, que pode colocar diversas comunidades embaixo d’água e inviabilizar áreas agricultáveis em outras. A empresa brasileira envolvida nesse caso é a construtora Odebrecht e grande parte desta energia deverá ser direcionada para viabilizar os projetos da mineradora Yanacocha. A pesquisa em Cajamarca somente foi possível devido ao apoio das organizações que compõem a Plataforma Interistitucional Celendina e da Organização Não Governamental (ONG) Grufides, que assessora as comunidades. Em Piura, destaca-se a parceria com a organização Rede Água Vida, a associação da Comunidade Campesina de San Martín de Sechura e a Frente de Pescadores Artesanais Aquicultores de Puerto Rico. Com a pesquisa e produção destes quatro volumes, as organizações e comunidades envolvidas esperam conseguir não apenas dar visibilidade para estes graves casos de violações de direitos, mas também fortalecer a avaliação de que essas não são lutas solitárias, casos pontuais em locais isolados. Ao contrário, elas são parte de uma resistência global contra um modelo de desenvolvimento que categoricamente falhou ao conceber que as regiões, as vidas e as culturas dos povos e das comunidades que nelas vivem são apenas mais um produto a ser explorado e posto à venda.




ENERGIA PARA MINERAÇÃO: O CASO DA HIDRELÉTRICA CHADIN 2 E A ODEBRECHT MAIRA SERTÃ MANSUR


MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

1.1 - Resumo

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ste relatório tem como foco o processo de construção da hidrelétrica de Chadín 2, no Rio Marañón, pela empresa brasileira Odebrecht, assim como as disputas por territórios e pelos modos de vida causadas por este empreendimento. Realizada no âmbito do projeto Direitos Humanos e Indústria Extrativa, coordenado pela Justiça Global e desenvolvido pela mesma em parceria com o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e a Rede Justiça nos Trilhos (JnT), esta pesquisa baseou-se principalmente em duas viagens de campo às regiões de Cajamarca e Amazonas, no Peru, onde foram visitadas cinco comunidades (Bella Aurora, Yagén, Saquilillo, Tupén, Mendán e Chumuch). A construção dessa hidrelétrica faz parte do acordo energético firmado em 2010 entre o Brasil e o Peru, que antevê a construção de vinte barragens ao longo do Rio Marañón, das quais três estão previstas para a região de Cajamarca1. A Odebrecht, que no país peruano utiliza o nome de sua subsidiária AC Energía S.A., ganhou a concessão para construir e operar a barragem Chadín 2 e a represa Cumba 4, que fica mais ao norte do Peru, sendo que a primeira central hidrelétrica a ser edificada será a represa Chadín 2. A pesquisa teve como foco primordial a produção de informação e a construção de conhecimento que [1] Este acordo é parte da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), firmada no ano 2000 e promovida pelo governo brasileiro e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ele propõe investimentos integrados, públicos e privados, em infraestrutura nos países da América do Sul, principalmente nas áreas de transportes, energia e comunicação.

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fossem capazes de contribuir com a fundamentação e implementação de ações coletivas de transformação social e de reparação de violações de direitos humanos. Desse modo, o trabalho de pesquisa no Peru teve como objetivos construir e estreitar laços com ativistas e organizações não governamentais que atuam no campo dos direitos humanos; dar visibilidade aos impactos e às violações de direitos causados pela construção de Chadín 2, como forma de pressão para a adoção de um padrão de atuação responsável e a reversão do quadro de violação em curso; apoiar as estratégias de resistências já existentes, sobretudo no enfrentamento à criminalização e à violência contra a sociedade civil organizada; e fortalecer o intercâmbio referente à luta contra a mineração e a construção de barragens. Portanto, a pesquisa aqui apresentada insere-se num contexto que contempla articulação e incidência permanentes e de longo prazo e foi fruto de um processo de construção coletiva contínuo, envolvendo organizações brasileiras e peruanas. Adicionalmente, ressalta-se que a relação entre as organizações brasileiras e peruanas partícipes do projeto é bem mais ampla, englobando várias outras atividades no campo da formação, troca de experiências, litigância e campanhas, dentre outras.


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

1.2 - Metodologia A pesquisa e as relações estabelecidas com o Peru decorreram do amadurecimento de reflexões feitas entre a equipe de pesquisa, organizações locais e parceiros. A proposta era que a ação do projeto Direitos Humanos e Indústria Extrativa complementasse outras ações da sociedade civil peruana e da brasileira que já se encontram em andamento. A construção da pesquisa, portanto, envolveu um amplo mapeamento de atores, atuações, campanhas e material bibliográfico, com o intuito de evitar sobreposição e duplicação de ações. A partir do acúmulo existente e da identificação das lacunas foram pensadas estratégias diferenciadas de visibilização, denúncia e de fortalecimento dos grupos impactados, de modo a ampliar as chances de que estas resultem em transformações concretas nas situações abordadas. As informações aqui organizadas basearam-se em pesquisas bibliográficas, pesquisa em agências de notícias, materiais produzidos pelas instituições parceiras peruanas e em relatos que nos foram proporcionados pelo conjunto de organizações que tivemos contato, como o Grupo de Formación e Intervención para el Desarrollo Sostenible (Grufides), a Acción Solidaria para el Desarrollo (CooperAcción), Red de Propuesta y Acción (RedMuqui), Fundación Ecuménica para el Desarrollo y la Paz (FedePaz ), Observatorio de los Conflictos Mineros en América Latina (Ocmal), Red Peruana por uma Globalización com equidade (RedGE), Asociación Servicios Educativos Rurales (SER), Earthrights International, Red de Agua y Desarrollo en Piura, Colectivo Comunal de Reflexión Sechura, Frente de defesa del Rio Marañón, Plataforma Interinstitucional Celendina (PIC) e Forum Solidaried

Perú. No entanto, cabe ressaltar que foi, primordialmente, o trabalho de campo realizado que permitiu contato com algumas das populações e dos territórios que serão afetados pela construção de Chadín 2.

1.3 - Contextualização A história da República do Peru possui as marcas da usurpação de seus bens naturais, que datam da dominação espanhola a partir de 1532. Os Incas, povos originários da região, já exploravam os recursos minerais do território, mas na época da colonização a exploração foi amplamente intensificada. Mesmo com a independência, a exploração de recursos naturais, especialmente os minerais, continuou expressiva, estabelecendo o país como um dos principais fornecedores de importantes minérios para o mundo. Dentro do contexto latino-americano, território que concentra as principais reservas de recursos naturais do planeta, a pauta de exportação da economia peruana sempre apresentou uma forte presença destes recursos. No quesito mineração, o país é o maior extrator mundial de prata, terceiro maior de cobre e zinco e quinto maior de ouro, com o seu território concentrando 40% dos recursos auríferos do mundo, principalmente em Cajamarca, onde se localiza a maior mina de ouro da América Latina, Yanacocha, seguida de Alto Chicama e Pierina2. Segundo dados [2] Disponível em: https://www.knowledgeatwharton.com.br/article/a-lutapela-hegemonia-no-segmento-latino-americano-de-mineracao-emtempos-de-crise/

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS do Ministério de Energia e Minas do Peru, o país é o segundo maior receptor de investimentos de exploração de minérios na América Latina e o sexto maior do mundo3. Conforme dados do periódico El País, de 5 de novembro de 2014, 40% da superfície do Peru destina-se a concessões para a mineração, petróleo, gás e madeira.

A mesma reportagem destaca que 96% do território peruano destinado a estes tipos de exploração são habitados por povos indígenas e comunidades locais4. A figura a seguir foi retirada da matéria mencionada e nos permite visualizar a expansão das concessões à mineração no país:

Extensão das concessões de mineração % de superfície como concessão mineral para cada bacia hidrográficca

[3] Disponível em: http://cenarioestrategico.com/?p=500

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[4] Disponível em:http://internacional.elpais.com/internacional/2014/11/05/ actualidad/1415149053_207294.html


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU O quinto informe cartográfico sobre as concessões minerais no Peru5, produzido pela CooperAcción em maio de 2014, também evidencia essa expansão, indicando que no ano de 2014 havia ao menos 20,23% do território nacional com concessões mineiras. O mesmo informe aponta que as estatísticas nacionais indicam que do total de concessões, 75,58% são tituladas, 16,05% estão em processo de certificação e apenas 8,38% foram extintas. Assim, neste cenário, nota-se a manutenção da tendência de aumento das concessões no país. Este mesmo cenário, que vem se consolidando desde os anos 1990, é evidenciado no livro Mineração e Movimentos Sociais no Peru (2013) como um aprofundamento da história de dependência do país à exploração de seus bens comuns, “consolidando o Peru como uma sociedade extrativa por excelência” (HOETMER; CASTRO; DAZA; ECHAVE; RUIZ, 2013, p. 20). De acordo com um documento produzido pela ApexBrasil e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic)6, em 2010, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) do Brasil no Peru cresceu de uma média de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), entre os anos 1990 e 2000, para 25%, em 2007. Os setores apontados como maiores recebedores destes investimentos estrangeiros foram: telecomunicações, mineração, indústria manufatureira, finanças e energia. Como também evidenciado pela publicação O investimento estrangeiro direto na América Latina e Caribe”7, organizada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, o IED dos países da América Latina, [5] Disponível em: http://cooperaccion.org.pe/main/mapas/informe-deconcesiones/2014/195-quinto-informe-cartografico-sobre-concesionesmineras-en-el-peru-base-de-datos-mayo-2014 [6] Disponível em: http://www2.apexbrasil.com.br/media/estudo/1110Perfil Peru_20130301172031.pdf [7] Disponível em: http://www.eclac.org/publicaciones/xml/1/46571/2012183-LIEP-WEB.pdf

de uma forma geral, cresceu através dos anos, sobretudo, pelo impulso nos investimentos no setor de recursos naturais dada a positiva evolução dos preços das matérias-primas no mercado internacional. Na mesma linha, a publicação destaca que entre 1990 e 1997 os investimentos em exploração tiveram um aumento de 90% no mundo todo, de quatro vezes na América Latina e de vinte vezes no Peru. Em 2003 a mineração já representava 57% de toda a exportação do Peru e 37% dos investimentos estrangeiros diretos no país. Percebe-se, portanto, que o crescimento do setor mineral no Peru nos últimos anos está inserido em um contexto global que envolve mudanças na economia mundial, e que semelhante processo de crescimento do setor mineral no Peru também pode ser observado em vários outros países do continente americano. A expansão do setor foi tanta que permitiu que um quinto do território peruano viva hoje em “permanente convulsão social”8. A organização CooperAcción identificou três momentos na mineração peruana9: 1. O início da produção de Yanacocha10, localizada em Cajamarca e alguns outros empreendimentos mineiros a partir de 1993. Este período é denominado como “efeito Yanacocha”, pois permitiu um grande crescimento do PIB pela mineração, com grande destaque para o ouro; 2. A partir de 2002, com o início da produção de Antamina11 (complexo mineral de cobre, zinco, concentrados de molibdênio, chumbo e prata) e de alguns outros projetos e ampliações, o dinamismo [8] Disponível em: http://envolverde.com.br/ips/inter-press-servicereportagens/mineracao-matriz-perversa-da-economia-verde-segundoativistas/ [9] Disponível em: http://www.cooperaccion.org.pe/actualidad-minera-delperu-171/66-actualidad-minera-del-peru-171/883-las-paradojas-delcrecimiento-minero-y-la-tributacion-en-el-peru [10] Disponível em: http://www.yanacocha.com.pe/la-compania/quienessomos/ [11] Disponível em: http://www.antamina.com/en/index.php

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS foi expressivo. A partir de 2009, devido à crise econômica mundial, houve uma diminuição da produção nessa área; 3. A indicação de que, desde 2012, iniciou-se uma nova etapa de expansão da mineração. Depois de três anos, de 2009 a 2011, com taxas negativas, o PIB mineiro retornou ao seu crescimento, baseando-se em uma maior produção de cobre (devido ao início das atividades em Antapaccay,Toromocho, Las Bambas e Constancia, que se somarão à ampliação da produção de Cerro Verde e Toquepala, entre outros empreendimentos). Este movimento permitirá a duplicação da extração de cobre no país.

1.4 - Politicas estatais incentivadoras Em relação ao crescimento do setor mineral nos últimos anos no Peru, uma matéria do The Wall Street Journal, em português, aponta: O boom da mineração é uma das principais razões pelas quais a economia do Peru cresceu a um ritmo anual médio de 6,5% nos últimos dez anos, uma das expansões mais impressionantes entre países da América Latina. A renda per capita no país triplicou no período. Autoridades do governo dizem que cerca de US$ 50 bilhões em projetos de mineração estão previstos para os próximos anos12. O material produzido pela organização independente Peru Support Group, Mining & Development in Peru: with special reference to the Rio Blanco Project, Piura13, destaca a longa história dos investimentos na mineração do Peru, mas ressalta que o setor obteve um rápido crescimento desde a década de 1990, como consequência das políticas implementadas no governo [12] Disponível em: http://br.wsj.com/articles/SB10000872396390444914904 577613952227430884 [13] Disponível em: http://www.perusupportgroup.org.uk/files/fckUserFiles/ file/FINAL%20-%20Mining%20and%20Development%20in%20Peru.pdf

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de Alberto Fujimori (1990-2000). Desde 1990, o objetivo dos governos peruanos é criar um clima econômico e político que incentive a participação da iniciativa privada na economia. Para isso, reformas políticas e econômicas foram promovidas; um programa de privatizações iniciado; mudanças foram realizadas na legislação, visando incentivar os investimentos privados; e investimentos foram feitos em obras de infraestrutura, dentre outras iniciativas. Conforme Monge (2012), uma aposta política ligada à estratégia extrativa neoliberal, fundada na promoção de grande investimento privado em recursos naturais renováveis e não renováveis (mineração, pesca, hidrocarbonetos, energia e plantações agrícolas), estabeleceu-se após o golpe de estado civil militar em 1992. A nova Constituição peruana de 1993 permitiu às empresas mineiras um arcabouço legal que privilegiou o setor através de convênios de estabilidade tributária e jurídica. A Coordenadora Andina de Organizações Indígenas (Caoi) afirma que “atualmente, 80 companhias de mineração canadense operam no Peru. Entre elas, destacam-se a Barrick Gold Corporation, a maior de todas em extração de ouro. Em operação no Peru desde o início dos anos 1990, a Barrick é uma das 25 grandes companhias mineiras que não pagam impostos no Peru devido aos Contratos de Garantia e Medidas de Promoção de Investimento14, conhecidos também como contratos de estabilidade jurídica, tributária e administrativa”15. É importante destacar que as exportações minerais são isentas de impostos sobre [14] O pesquisador Rodrigo Santos afirma que duas leis foram determinantes para este cenário: Lei de Promoção de Investimentos no Setor Mineral (Decreto Legislativo no 708/1991) e Lei de Promoção do Investimento Privado nas Empresas e Ativos do Estado (Decreto Legislativo no 674/1993). Disponível em: http://www.ufjf.br/poemas/files/2014/07/Santos-2012Fundamentos-para-a-Criação-de-um-Fundo-Social-e-Comunitário-daMineração-no-Brasil.pdf, página 15, nota 32. [15] Disponível em: http://site.adital.com.br/site/noticia. php?lang=PT&cod=57701



MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS receitas no Peru, além de possuírem um regime de estabilidade fiscal concedido por até 15 anos16. Para Monge, a herança dos ex-presidentes do Peru, Alberto Fujimori (1990 a 2000), Alejandro Toledo (2001 a 2006) e Alan García (2006 a2011), ainda é atual e opera através de “um marco institucional no qual a promoção de investimentos é tudo”17. Ele evidencia que o Ministério de Energia e Minas concentra todas as decisões, incluindo a aprovação dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA). Neste cenário, o Ministério do Meio Ambiente não possui atuação e os governos regionais e locais não têm poder de decisão, havendo uma centralização no Ministério de Energia e Minas quando se trata de grandes projetos energéticos de mineração18. Com a aprovação de um pacote de reformas para acelerar os investimentos na mineração, através do Decreto Supremo n° 060-2013-PCM, passou a haver um prazo de apenas 100 dias para que os EIA sejam aprovados, podendo haver punição ao funcionário que atuar de maneira mais cautelosa na análise dos estudos. Esta tem sido uma das estratégias para acelerar a implementação de projetos prioritários ao governo. De grande relevância é a Lei nº 30.230, aprovada em 13 de julho de 2014, que foi impulsionada pelo Ministério de Economia e Finanças peruano. Ela é apontada como uma estratégia para incentivar os investimentos no país em um momento de desaceleração econômica e queda do preço do minério no mercado internacional, através da redução dos custos sociais e ambientais e das cargas tributárias. Para tanto, [16] Disponível em: http://www.mme.gov.br/documents/1138775/1256656/ P02_RT06_Anxlise_Comparativa_da_Competitividade_do_Setor_ Mineral_Nacional.pdf/ae24cc34-8c4b-4952-aa05-6e8fdbddf142 [17] Disponível em: http://cupuladospovos.org.br/2012/03/conga-projeto-demineracao-no-peru-coloca-em-risco-abastecimento-de-agua/ [18] No Peru a licença ambiental é dada pelo ministério específico do setor. Desse modo, as licenças da mineração são dadas pelo Ministério de Energia e Minas e, por exemplo, a de transportes é dada pelo Ministério dos Transportes.

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esta lei debilita as funções dos organismos de fiscalização ambiental; reduz os níveis mínimos de instrumentos que ajudam a identificar a contaminação da água, do ar e do solo; diminui as funções de instituições especializadas que buscam categorizar zonas de biodiversidade para proteção; cria procedimentos que facilitam o acesso e uso do direito à propriedade pública e privada a favor de projetos de investimento, liberando as terras e os territórios de propriedade de comunidades nativas e campesinas; e flexibiliza os níveis ambientais aceitos19.

1.5 - Uma atividades para os “,,não ,, desenvolvidos Neste contexto, em que os direitos sociais e ambientais são flexibilizados para priorizar os investimentos privados nos setores classificados como estratégicos, como o setor extrativo, um aspecto relevante é como o crescimento da extração mineral - e seu consequente aumento na participação do PIB nos países da América Latina e África - faz frente a um contexto em que a dimensão deste mesmo setor em vários países classificados como desenvolvidos vem diminuindo. Como consta no site Mining.com, plataforma de informações sobre a mineração: [...] enquanto sobe a participação dos países emergentes – China, Brasil, Índia e Rússia, além de Austrália, Chile e Peru – na produção mineral, nações desenvolvidas como os EUA, que têm elevado consumo dessas matérias-primas, abrem mão do crescimento no setor. O mercado americano, em 1978, segundo os dados do US Geological Survey (USGS), importava 100% de suas necessidades de sete bens minerais. Em 2009, esse número saltou para dezenove bens. A produção mineral tem apenas 0,25% de participação no PIB dos EUA.

[19] Disponível em: http://www.corrupcionenlamira.org/website/wpcontent/uploads/2014/10/Versi%C3%B3n_amigable_Ley-30230.pdf


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU Em países desenvolvidos da Europa, como Alemanha, Reino Unido, Itália e França, a mineração significa menos de meio percentual no PIB. No Japão, mero 0,1%20.

Os dados apresentados somente corroboram com o cenário da divisão internacional do trabalho e da produção, suprimindo dos países “desenvolvidos” a extração de produtos naturais primários e seus consequentes efeitos sociais (disputa territorial, inviabilização dos modos de vida das populações, etc) e ambientais, e transferindo os investimentos no setor e seus efeitos negativos para outros países que possuem abundantes recursos naturais e mercados e políticas favoráveis. Com o investimento maciço no setor extrativo, países como Peru e Brasil consolidam-se como exportadores de matéria-prima para as próximas etapas da produção em países como Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, China e outros. Desse modo, a mineração passou a compor uma parcela expressiva do saldo da balança comercial dos países latino-americanos, a partir da crença de que era importante aproveitar o forte crescimento mundial por demanda de recursos naturais e aproveitar as “vantagens comparativas”, na linha da agenda neoliberal. Essa tem sido a escolha política de vários governos, tendo como consequência a falta de diversificação econômica, dependência do mercado externo e inúmeros conflitos sociais. Em contraposição aos altos números relacionados à exportação, dados apresentados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)21, a partir de uma matéria traduzida da revista The Economist, mostram que o setor de [20] Disponível em: http://noticiasmineracao.mining.com/2011/10/18/setorde-mineracao-tem-peso-elevado-em-economias-da-al-e-africa/ [21] Disponível em: http://www.gvces.com.br/index.php?r=noticias/ view&id=5379&0[idioma_id]=&0[idnoticia]=&0[idusuario]=&0[t itulo]=&0[texto]=&0[datacad]=&0[datapub]=&0[publicado]=1&0 [fonte]=&0[autor]=&0[idfonte]=&0[idtipo]=&0[idioma]=&0[url_ referencia]=&0[destaque]=

mineração no Peru emprega apenas 1% da força de trabalho do país, evidenciando que o aumento das exportações não é traduzido em mais postos de trabalho para a população.

1.6 - Prioridade para o Brasil Neste cenário, onde o Peru é concebido como um país aberto a investimentos, o Brasil vem nos últimos dez anos ocupando um lugar de relevância. Em 2010, o investimento direto do Brasil no Peru foi de US$ 1,014 bilhão, mais que o dobro de 2008, quando ficou em US$ 492 milhões. A Câmara de Comércio Peru-Brasil (Capebras) estima que este investimento deve chegar a US$ 32 bilhões até 201622. O poder comercial das empresas brasileiras no Peru expandiu-se durante os governos de Alan García e de seu antecessor, Alejandro Toledo, que é atualmente o maior aliado político de Humala23. A relação próxima entre os dois países foi confirmada na visita de Dilma Rousseff a Lima, no dia 11 de novembro de 2013, com uma comitiva de ministros e empresários brasileiros para o Encontro Empresário Peru-Brasil. Noticiada em diversos meios de comunicação peruanos, esta visita demonstra o importante papel político que o Brasil ocupa hoje no país vizinho. Em um de seus pronunciamentos, a presidenta destacou que o Peru é o terceiro maior destino dos investimentos brasileiros na América do Sul, tendo sido investidos pelo Brasil US$ 6 milhões no país, através da presença de mais de 70 empresas em solo peruano, incluindo as principais multinacionais brasileiras. Nessa mesma visita foi retomada a discussão sobre a construção do projeto Estrada de Ferro Transcontinental Brasil – Peru, que tem o objetivo de unir o Atlântico ao Pacífico através de uma ferrovia que [22] Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo. phtml?id=1148006 [23] Idem nota 11.

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS percorreria o território peruano e brasileiro. Este empreendimento facilitaria o transporte de matériasprimas, especialmente do fosfato da mina de Bayóvar, na região de Piura, onde a empresa Vale S.A. detém a concessão através de sua subsidiária no país andino24, abastecendo o mercado de fertilizantes brasileiro (especialmente para a monocultura da soja), ao mesmo tempo em que promoveria a exportação da soja brasileira através dos portos peruanos. Dentro deste debate cabe ressaltar que, desde 2011, as comunidades campesinas e indígenas do Peru possuem o direito a serem consultadas antes da implementação de empreendimentos que, devido à exploração de bens comuns, possam afetar o seu desenvolvimento, conforme estabelece o Direito Internacional dos Povos Indígenas (Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT) 25. Entretanto, apesar do direito à consulta e o seu caráter vinculante terem sido formalmente reconhecidos no país, até mesmo como uma licença social dos projetos, seu resultado não é necessariamente respeitado. A perspectiva do atual governo de Ollanta Humala é de que a consulta seja um instrumento de legitimidade de um investimento e não um obstáculo a ele26.

[24] Disponível em: http://jornalportalsul.com.br/dilma-comemora-10-anosde-alianca-no-peru-cimentando-o-futuro-porto-brasil-do-pacifico/ [25] O direito à consulta foi aprovado (Lei nº 29.785) por unanimidade no Congresso em 23 de agosto de 2011. A cerimônia foi realizada na simbólica cidade de Bagua, locação do conflito entre a polícia e comunidades indígenas que, em 2009, matou 33 pessoas e marcou o governo do presidente Alan García. Conforme matéria da BBC Brasil, os índios protestavam contra uma lei que permitia a exploração por empresas estrangeiras de madeira e minério em terras indígenas. Disponível em: http://www.bbc.com/ portuguese/noticias/2009/06/090607_perudomingoebc.shtml [26] Ver referência à fala de Humala em http://www.diariolaprimeraperu.com/ online/politica/consulta-previa-debe-tener-efecto-vinculante_139606. html

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O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

1.7 Negação da identidade e criminalização Outra polêmica ligada à consulta prévia no país é referente à definição sobre quais comunidades possuem este direito. Uma das grandes questões é a definição estreita27 do que seriam “comunidades indígenas”, excluindo as que falam quéchua (língua oficial do Peru, juntamente com o espanhol) da lei de consulta prévia28 e, portanto, deixando de fora grupos que antes eram protegidos pela lei29. Relacionada a esta questão, em maio de 2013, uma crise no Executivo [27] Essa definição aponta para o modelo de desenvolvimento e de prioridades do Estado peruano, pois muitas das regiões em que suas populações possuiriam o direito à consulta são áreas de interesse da mineração e do Estado. Elas não foram contempladas com o direito à consulta, já que o Estado compreende a mineração como um modelo gerador de riqueza da economia do país. [28] Ver notícia de 7 de maio de 2013 em: http://www.americasquarterly.org/ consulta-previa-controversy-peru-community-protests-and-vice-ministerresigns [29] Como exemplo do não cumprimento à consulta, destaca-se o caso da comunidade campesina de San Juan de Cañaris, na província de Lambayeque. Apesar desta comunidade já ter sido reconhecida como povo indígena por diversas instituições do Estado, como o Vice-Ministério de Interculturalidade e a Defensoria Pública, e pela Resolução Suprema nº 64, de janeiro de 1987, do Ministério do Trabalho, mas o Ministério de Energia e Minas afirma que não haverá consulta prévia nessa região e que a empresa canadense Candente Copper será a encarregada de estabelecer o processo de diálogo com a comunidade.

peruano foi deflagrada com a renúncia do vice-ministro de Interculturalidade, Iván Lanegra. Segundo jornais peruanos, a saída de Lanegra explicita as irreconciliáveis posturas dentro do próprio Executivo sobre qual seria a definição de “povos indígenas” frente ao direito à consulta prévia e a necessidade de assegurar novos projetos mineiros no país. Conforme o jornal El Comercio.pe30, o presidente Humala questiona a existência de povos indígenas nos Andes e afirma: “Na serra, a maior parte são comunidades agrárias, produto da reforma agrária”. Deste modo, Humala se distancia da proposta do Vice-Ministério de Interculturalidade que havia incluído em sua base de dados dos povos indígenas as comunidades aimarás e quéchuas de Apurímac, Áncash, Lambayeque, Huánuco, Ayacucho e Cusco, regiões onde se encontram os principais projetos minerais. O mapa a seguir, retirado da matéria do El Comercio, expõe, a partir de critérios que o próprio Ministério da Cultura utiliza para elaborar a base de dados das comunidades indígenas do país (propriedades coletivas e idioma originário), as comunidades campesinas da região serrana, o mapa etnolinguístico das regiões e os projetos de interesse do Ministério de Energia e Minas: [30] Disponível em: http://elcomercio.pe/actualidad/1572596/noticia-mapagobierno-sabe-que-14-proyectos-mineros-requieren-consulta

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

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O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

Comunidades da Serra e Projetos de Mineração Para entender a atual situação das comunidades na Serra, e como ainda não se publica a base de dados oficiais dos povos indígenas, o jornal El Comércio elaborou este mapa que perpassa dois dos critérios que o Ministério da Cultura utiliza para elaborar esta base: as propriedades coletivas e o idioma originário. Aqui aparecem sobrepostos os territórios das comunidades camponesas da Serra, como o mapa etnolinguístico do país e a carteira de projetos do Ministério de Energia e Minas.

Fonte: Sistema de Información Geográfica, Dirección de Ordenamiento Territorial, Indepa, Ministério de Energia y Minas, Sistema Nacional de Información Ambiental

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS Observa-se no mapa que a área onde se fala quéchua é extensa (proprietários de 18,74% do território peruano31) e engloba todos os símbolos relacionados aos projetos de mineração. A grande discussão nos artigos e matérias de jornal sobre a consulta prévia e seu alicerce, a base de dados dos povos indígenas, evidencia as disputas e os conflitos nas definições dos povos que possuem direito à consulta e os que não são abrangidos por este direito. Essa definição revela o modelo de desenvolvimento e de prioridades do Estado peruano, pois muitas das regiões em que suas populações possuiriam o direito à consulta são áreas de interesse da mineração e do Estado e, por isso, não foram contempladas com o direito à consulta, já que a mineração é tida como um modelo gerador de riqueza para a economia do país. Ao abordar os grandes projetos no Peru e as estratégias adotadas pelo Estado para viabilizá-los, não se pode deixar de citar a criminalização que os movimentos sociais e os defensores de direitos humanos vivem no país andino. O decreto-lei nº 25.475, promulgado na ditadura de Fujimori em 1992 e comumente mencionado como lei antiterrorista, foi uma das táticas do Estado peruano para enfrentar o “fenômeno subversivo” (especialmente o movimento revolucionário Sendero Luminoso), ao estabelecer severas sanções a quem altere a paz interna e a ordem pública no país32. Claramente esse cenário atingiu e atinge até hoje os movimentos sociais do país, já que a legislação nega o caráter político das lutas populares e das lutas contra as injustiças sociais, criminalizando e perseguindo politicamente indivíduos e grupos. Inúmeras campanhas e denúncias foram e são realizadas pelas organizações de direitos humanos do país, visibilizando os diferentes mecanismos utilizados para criminalizar os protestos [31] Disponível em: http://gestion.pe/economia/antamina-gobierno-asimiloconsulta-previa-sin-saber-donde-se-estaba-metiendo-2065570 [32] Disponível em: http://www.pagina-libre.org/asociacion-peru/Textos/ Fondo/Legislacion/DL_046_texto.html

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sociais e perseguir legalmente os movimentos sociais e seus líderes. Obviamente, esta criminalização dos movimentos é uma das formas do Estado impetrar a política de desenvolvimento baseada em grandes impactos socioambientais33. O Estado, assim, busca garantir os investimentos e os projetos das grandes corporações, fragilizando todos aqueles que se colocam contra este modelo34, e em detrimento dos direitos das comunidades tradicionais e dos povos originários do Peru.

1.8 Disputas por diferentes modos de vida Em todo o contexto delineado, onde o setor extrativo, especificamente a mineração, está posto como central na sociedade e nas políticas dos governos, não se pode deixar de pontuar que estas atividades necessitam de alguns elementos essenciais para a sua realização, sendo três deles primordiais: terra, água e energia. Desse modo, estabelecem-se disputas pelos territórios entre as empresas, que necessitam do uso da terra para a exploração mineral, frente às comunidades, que têm na terra a base para suas atividades de subsistência e possuem a sua sociabilidade construída no território. Há também a disputa pelas nascentes dos rios e por outras fontes de água, já que a mineração consome volumes extraordinários de água e é responsável pela contaminação de mananciais. Além disso, esta atividade necessita de enorme quantidade de energia, que majoritariamente é fornecida por hidrelétricas, e é [33] A Defensoria do Povo do Peru divulgou em relatório que, entre 2006 e 2011, o número total de pessoas falecidas em conflitos sociais chegou a 195, enquanto o número de pessoas feridas foi de 2.312, entre civis e policiais. Estes dados colocam o Peru como o país com mais mortos por conflitos sociais nesse período na região da América Latina e do Caribe.Ver: http:// site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=71793 [34] Conforme dados da Defensoría del Pueblo, 66,2% dos conflitos sociais no Peru estão ligados a conflitos socioambientais. Ver: CHUQUILÍN, Mirtha Vásquez. Criminalización de la Protesta en Peru. 2013.


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

viabilizada por um sistema de logística e transporte para o escoamento dos produtos. Terra, água, energia e logística compõem a cadeia da mineração e evidenciam o caráter centrípeto da atividade, ao mobilizar toda uma estrutura que causa severos impactos diversificados ao meio ambiente e à sociedade. Chadín 2 é uma das hidrelétricas previstas para serem construídas no Rio Marañón entre as províncias de Celendín (Cajamarca) e Luya (Amazonas). Ao todo, pretende-se construir, progressivamente, vinte hidrelé-

tricas na região para a produção de 12.400 megawatts de energia. Em 2011 o governo de Alan Garcíaançou o Decreto Supremo 020-2011, através do qual declarou ser de interesse nacional a construção das hidrelétricas ao longo do rio. Segundo o discurso oficial, a energia produzida servirá para o abastecimento nacional e também para a exportação. Na figura 2 pode-se observar as vinte hidrelétricas pretendidas para o Rio Marañón, onde os círculos amarelos indicam a previsão da capacidade de produção de energia de cada uma delas. 25




MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

Localização das 20 centrais hidrelétricas O projeto Maranhão, que consiste na construção de 20 centrais hidrelétricas para aproveitar o fluxo do rio de mesmo nome, permitirá utilizar essas águas com o objetivo de gerar 12.400 Megawatts de energia elétrica.

O tamanho do círculo representa o potencial de geração das distintas centrais hidrelétricas medido em Megawatts (Mw)

Fonte: José Serra Vega, p.16

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O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU A demanda por energia no país cresce a uma média de 10% ao ano, segundo o jornal El Comercio, devido ao intenso crescimento econômico do país, impulsionado pelo aumento da demanda interna, pelo “boom” de sua indústria e pela exploração de recursos naturais35. A mesma matéria apresenta uma previsão de crescimento da demanda por energia de até quase 16% a partir de 2015 devido à abertura de novas minas

e às ampliações de minas como Antapaccay, controlada pela empresa Xstrata Copper, e Constancia, da canadense HudBay Minerals. Como o gráfico a seguir mostra, a demanda por energia é crescente e Chadín 2 suprirá somente uma parte dela. Com isso, a viabilização dos outros projetos previstos para o Rio Marañón torna-se essencial para o governo peruano:

Peru: Demanda elétrica e geração de energia de Chadín 2 250,000 Demanda: 6% crescimentoanual

200,000 Demanda: 9% crescimento anual

150,000

100,000

Geração total antes da entrada em funcionamento de Chadín 2

50,000 Oferta com contribuição de Chadín 2

0 12 014 016 018 020 022 024 026 028 030 0 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 [35] Disponível em: http://elcomercio.pe/economia/peru/mem-generacionelectrica-mayor-que-demanda-domestica-2013-noticia-1517525

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS Uma publicação produzida36 pelo Forum Solidaridad Perú e pela Asociación Servicios Educativos Rurales (SER) sobre os projetos hidrelétricos previstos para a região do Rio Marañón mostra que sua bacia localiza-se em um espaço que compreende dez regiões37 do território nacional, que congregam aproximadamente 13,71% da população do país, incluindo populações andinas, comunidades camponesas, comunidades nativas amazônicas, populações ribeirinhas e zonas urbanas andinas e amazônicas, dentre outras, além de ser descrita como uma zona de bosques secos e com grande presença de biodiversidade. A publicação revela ainda que, de acordo com o Informe sobre o Desenvolvimento Humano do Peru, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), aproximadamente mais de três quartos das bacias compreendidas na grande bacia do rio contam com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos mais baixos. O interesse das mineradoras nesta região não é novidade. Na década de 1970 foram feitas avaliações sobre o potencial hidrelétrico da área, que já destacavam o seu potencial minimizador de custos na geração de energia por conta de seu desenho geográfico. Em 2010, a empresa brasileira Odebrecht, através de sua subsidiária AC Energia S. A., realizou um estudo de viabilidade para Chadín 2, prevendo gerar 600 Mw de potência e investir US$ 1,65 bilhão no projeto. Em 2014, a empresa teve o seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA) aprovado pelo Ministério de Energia e Minas do país, mesmo havendo ao menos 200 observações feitas pelas autoridades ambientais38. A advogada Carmem Rosa, da organização Earth Right [36] CARDÓ, Martin Arana. Proyectos Hidroelétricos em la cuenca del Río Marañón. Forum Solidaridad Peru e SER, 2012. [37] Conforme o documento, as regiões são Loreto, San Martín, Amazonas, Cajamarca, Piura, Lambayeque, La Libertad, Ancash, Huánuco e Pasco. [38] EARTH RIGHTS INTERNATIONAL. Una Investigación: Energía, Bosques y Pueblos em el Marañón. Chadín 2 – Los Impactos Invisibilizados. 2014.

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International (ERI), que acompanha o caso e atua na defesa dos direitos das comunidades, evidencia os problemas do EIA de Chadín 2: “O projeto não identificou as áreas afetadas em relação a toda a Bacia do Marañón. Não há um estudo integral de bacias. Este é um dos vinte projetos que vão afetar a biomassa e a qualidade do Rio Marañón. Esta informação não está clara no Estudo de Impacto Ambiental. Não estando claras nem as medidas de manejo e mitigação de impactos. Não somos nós somente que estamos dizendo. As próprias autoridades ambientais, como o Ministério de Energia e Minas, a Autoridade Nacional da Água e o Ministério de Agricultura, que também tem especialização em questões ambientais, detectaram que há informação insuficiente para saber a qualidade e quantidade da disposição dos recursos hídricos. Não há informação dentro do EIA sobre as áreas de afetação e nem sobre o contato direto com populações. Não se levantou informação suficiente sobre os vetores de transmissão de doenças, que poderiam duplicar com a inundação. [...] Praticamente toda informação que é apresentada pela empresa, tenha ou não tenha fundamento, é considerada válida. Isso, por si só, se constitui como uma infração ao procedimento administrativo em que está envolto o Estudo de Impacto Ambiental, porque toda decisão tem que estar embasada em uma argumentação suficiente. E isso não se pode encontrar dentro do EIA” (Carmem Rosa, ERI, entrevista concedida em 2 de junho de 2014).

Na área de influência do projeto vivem aproximadamente mil pessoas, divididas entre diferentes comunidades que vivem e tiram o seu sustento do uso da terra, através da plantação especialmente de milho, frutas e coca. Muitas das regiões são de difícil acesso, sem estradas que penetrem os territórios,. Os deslocamentos são feitos, majoritariamente, por burros. A figura a seguir possibilita ter uma noção geográfica da região e mostra o local onde se pretende construir Chadín 2:


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

Rio Marañón e localização de Chadín 2

Fonte: Material de AC Energia S.A.

As pessoas que vivem na área de influência do projeto deverão ser deslocadas para dar lugar à inundação de 33km². José Serra, engenheiro peruano que vem se debruçando sobre os impactos sociais e ambientais da construção das hidrelétricas do Rio Marañón, afirma que caso o projeto seja efetivado, além do deslocamento das populações e da inundação, haverá a deflorestação de ao menos 12 mil hectares em um período

de sete anos (tanto pela inundação, quanto pela migração de pessoas para a área); emissão de gases de efeito estufa; perda da biodiversidade; a severa alteração do sistema aquático, com a interrupção do fluxo de sedimentos pelo rio; e a mortalidade da fauna e da flora da região. A tabela a seguir sistematiza os “benefícios” e os impactos do projeto: 31


MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

Tabela 1: Aspectos referentes ao projeto Chadín 2 Aspectos apontados como benefícios

Custos ambientais e sociais

Disponibilidade de uma quantidade importante de energia para o norte do país (algo como 3.800 GWh ao ano)

Remoção de 1.000 pessoas que, atualmente, hoje ocupam áreas que serão inundadas (área em torno de 33km²)

Investimento de US$ 900 milhões na economia nacional durante o período de construção da hidrelétrica (5 anos)

Desmatamento de 12.000 hectares em um período de 7 anos, principalmente por causa das inundações e da migração para a área

Emprego de 2.080 pessoas ao ano no período máximo de demanda de pessoal

Emissão de gases de efeito estufa

Com o início da operação, o governo receberá 18% do Imposto Geral de Vendas (IGV), 30% do imposto de renda e uma porcentagem do aporte do fundo do Ministério do Trabalho referente à bonificação dos benefícios que os trabalhadores receberão

Perda da biodiversidade e perturbação grave dos sistemas aquáticos

Metade do imposto de renda é royalty hidro-energético e deverá ser direcionado às regiões de Cajamarca e Amazonas

Interrupção do fluxo de sedimentos no rio, causando a mortalidade da fauna e flora

Fonte: José Serra Vega e elaboração própria

O projeto Chadín 2 busca se legitimar através dos argumentos de geração de energia para a população e de sua capacidade de geração de emprego. O marketing do projeto propagandeia a sua capacidade de gerar até 2.080 postos de trabalho por ano no máximo 32

de sua demanda. José Serra nos brinda com a tabela a seguir referente aos postos de trabalho que serão disponibilizados desde a construção de Chadín 2, prevista para 2015, até o início de sua operação, previsto para 2019:


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

Tabela 2: Número de postos de trabalho, da construção ao início de operação de Chadín 2 2015

2016

2017

2018

2019

Direção Geral

8

14

18

17

11

Engenheiros de Estudo

28

36

46

42

12

Engenheiro de obra

23

52

66

60

30

Técnicos especializados

92

288

348

318

92

Mão de obra qualificada

384

768

1.042

884

248

Mão de obra não qualificada

288

448

560

436

184

Total

823

1.606

2.080

1.757

577

Fonte: José Serra Vega

Os dados da tabela mostram que a partir do início da sua operação, Chadín 2 somente oferecerá 577 postos de trabalhos, sendo que destes apenas 184 são para mão de obra não qualificada. Como já observado anteriormente, as comunidades que vivem na região do Rio Marañón são essencialmente pequenos agricultores que retiram todo o seu sustento da própria terra. Desse modo, além do reassentamento que sofrerão, haverá a perda de sua subsistência mais elementar (que não passa pela troca monetária), já que não há suficientes esclarecimentos sobre o local em que as famílias serão reassentadas. Além disso, os postos de trabalhos oferecidos não irão suprir as necessidades dessas famílias em longo prazo. A empresa AC Energia S.A. vem oferecendo o Programa de Qualificação Profissional Continuada

Creer para as comunidades com a promessa de que, com os cursos de qualificação, os comunitários poderão ser aproveitados como mão de obra na construção da hidrelétrica. No entanto, os fatos evidenciam que o programa Creer é uma das estratégias da empresa para se legitimar socialmente perante as comunidades e contrapor as críticas dos opositores ao projeto. Há outros interesses envolvidos na viabilização da construção de Chadín 2. Para os governos locais, o atrativo são os royalties que serão alocados para as regiões Amazonas e Cajamarca. Há também as grandes mineradoras localizadas na região norte do país, que serão beneficiadas pela nova produção energética.

33



O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

1.9 Projetos conectados, lutas articuladas Cabe ressaltar aqui a grande resistência social empreendida em Cajamarca ao projeto mineiro Conga39, que se funde com a resistência aos projetos hidrelétricos do Rio Marañón, já que as organizações estabeleceram a ligação entre a necessidade crescente de energia das mineradoras e os projetos hidrelétricos. Assim, todos esses megaprojetos são percebidos de modo conectado pelos movimentos sociais que atuam na região e isto tem possibilitado uma leitura ampla do cenário peruano e também o fortalecimento da resistência aos grandes projetos em Cajamarca. Referência na luta contra a implantação do projeto Conga, Milton Sanchéz Cubas, secretário geral da Plataforma Interinstitucional Celendina (PIC) - organização que congrega ao menos 35 organizações de base (como sindicatos dos professores, rondas campesinas, Frente de Defesas, promotores de saúde, associações de produtores, mulheres e jovens, entre outros) - revela a perspectiva de interligação da mineração com os projetos hidrelétricos pretendidos para o Rio Marañón: “[...] A partir da investigação dos projetos mineiros em nossa luta contra Conga, nos defrontamos com a necessidade crescente de energia desses projetos. Ficamos sabendo também que a empresa mineira Yanacocha traz

[39] O projeto Conga prevê a exploração de cobre e ouro na região de Cajamarca pela empresa Yanacocha, que possui capital da empresa estadunidense Newmont Mining Corp. A resistência popular à implantação do empreendimento na região teve grande repercussão nacional e internacional e tornou Cajamarca símbolo da resistência à mineração no país. Inúmeros foram os confrontos entre manifestantes e policiais, chegando ao ponto do governo de Ollanta Humala decretar estado de emergência na região. Oficialmente, o projeto está paralisado, mas a mobilização social ainda permanece ativa. Para uma leitura aprofundada do caso, ver: ECHAVE, José De e DIEZ, Alejandro. Más allá de Conga. Org. por RedGE e CooperAcción, 2013.

energia do Equador e tivemos informações sobre um estudo do Ministério de Energia e Minas, que indicou que as mineradoras do norte do país necessitam algo como dois mil megawatts de energia. Também em 2010, Alan García, manifestou ser de interesse nacional e social a construção de vinte hidrelétricas no Rio Marañón. Atualmente, o projeto mais avançado é o de Chadín 2. Estamos, neste momento, no território que desejam inundar para dar energia às mineradoras que estão nas partes altas. Para nós, é uma grande ameaça, pois não querem só destruir a nossa água que se localiza nas partes altas, a 4.100 metros acima do nível do mar [Projeto Conga], mas querem também inundar os nosso vales. É isso que significa essa complementariedade das hidrelétricas com as mineradoras” (Milton Sanchéz Cubas, entrevista realizada em Mendán, em 25 de maio de 2014).

Outra entrevista relevante foi realizada com Roy Leon Rabanal, especialista em Gestão Ambiental da organização Grufides40, que também está envolvida na luta contra o projeto mineiro Conga e na resistência a Chadín 2. A sua fala aponta a interligação direta entre os projetos minerais da região e os projetos de produção de energia: “Grufides passou a atuar na questão de Chadín 2 devido à nossa proximidade com Celendín, onde se quer desenvolver o projeto mineiro Conga. E desde o princípio afirmava-se que a intervenção de Chadín 2 para produzir energia estava destinada para dois eixos: um, para exportar energia para o Brasil, devido ao acordo binacional assinado em 2010; e o outro, para fornecer energia para as atividades mineiras que estão presentes em Celendín” (Roy Leon Rabanal, da organização Grufides, entrevista realizada em 27 de maio de 2014).

[40] Disponível em: http://www.grufides.org/

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS Diante desta última constatação, a Plataforma Interinstitucional Celendina (PIC), a Frente de Defesa do Rio Marañón, Grufides e outros movimentos vêm realizando atividades conjuntas para levar o máximo de informações às comunidades que serão afetadas diretamente pela construção da hidrelétrica. Representantes do projeto Direitos Humanos e Indústria Extrativa somaram-se a uma das visitas de campo realizada por essas organizações em cinco das 21 comunidades campesinas41 que serão afetadas de diferentes formas pelo projeto hidrelétrico. As cinco comunidades visitadas ficam entre os departamentos de Cajamarca e Amazonas (Yagén, São Lucas,Tupen, Mendán e Chumuch), e em cada uma delas foram realizadas reuniões públicas com os moradores.

1.10 Informar para resistir Reunir os moradores e apresentar informações e esclarecimentos sobre o projeto Chadín 2 e suas implicações para a população local tem sido uma das estratégias de resistência, frente a um cenário de profunda desinformação. Roy Rabanal evidencia o total desconhecimento da população e a negligência da empresa Odebrecht em cumprir as cláusulas referentes à prestação de informações às comunidades que serão afetadas pelo projeto: “Fomos informados pelos moradores de que a empresa já havia dado início às suas atividades, que havia planos para a construção de duas hidrelétricas pela Odebrecht, Chadín 2 e Cumba 4, e que os moradores nunca haviam recebido informações suficientes da empresa sobre os projetos. Eles nos informaram que a empresa

[41] As 21 comunidades segundo o Estudo de Impacto Ambiental são: El Inca, El Mango, El Paraíso, Santa Rosa, Montegrande, Salazar, Nuevo Rioja, El Cura, Saquilillo, Tupén, San Lucas Chico, San Lucas Grande, Nueva Arica, Choropampa (Amazonas), Choropampa (Cajamarca), La Mushca, Mapish, San Francisco, Libián, Tuén e Mendán.

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nunca havia ido à região para falar sobre os projetos e seus benefícios e muito menos sobre os impactos, tanto para a população quanto os impactos ambientais. Nos solicitaram a presença em reuniões realizadas em Celendín e Yágen, e no lado do Amazonas, em Choropampa, para conversarmos sobre os impactos que trariam as represas (tendo Chadín 2 quase 180 metros de altura e uma extensão de aproximadamente 32 km²) e o que a construção delas significaria” (Roy Leon Rabanal, da organização Grufides, entrevista concedida em 27 de maio de 2014).

As cinco comunidades visitadas possuem a sua própria Frente de Defesa e sua Ronda Campesina (Tupen é a única delas que, além da ronda masculina, conta com uma ronda campesina feminina). Apesar da grande distância entre as comunidades e as dificuldades de acesso, a articulação entre as Frentes de Defesa e as Rondas Campesinas locais com a Plataforma Celendina e as Rondas Campesinas de Celendín mostrou-se bastante intensa. Nessa região, depois de deflagrada a resistência ao projeto mineiro Conga, ocorreu um intenso processo de estreitamento de relações entre os movimentos e as organizações sociais da região de Cajamarca. A própria Plataforma Interinstitucional Celendina começou a atuar no final de 2009, no processo de busca por informações e pelo entendimento da sociedade civil do que seria o projeto mineiro Conga, que seria desenvolvido pela empresa Yanacocha, em Celendín. Nesse percurso, a rede de articulação dos movimentos na região ampliou-se e atingiu geograficamente localidades mais distantes42. A resistência aos projetos tem se dado também através da autoproteção dos seus territórios pelas comunidades e pela articulação e atuação conjunta entre as Frentes de Defesa e as Rondas [42] Importante ressaltar que este alargamento geográfico da atuação dos movimentos ocorreu devido à visibilização dos impactos que o projeto Conga traria, caso fosse implementado, nos mananciais de água que abastecem toda a região de Cajamarca.


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

Campesinas, como destaca Milton Sanchéz Cubas: “O que temos criado são formas de poder nos defender através das Rondas Campesinas, que possuem uma lei e são reconhecidas pelo governo a partir dos anos 1980. E também com os Guardiões das Lagunas, que são pessoas das comunidades que estão constantemente indo às nossas lagunas para vigiá-las e protegê-las, impedindo que as empresas mineiras entrem com suas máquinas para destruir as nossas fontes de água. Aqui em Marañón também temos organizações, como as Rondas Campesinas e as Frentes de Defesas e os Guardiões do Rio Marañón, que vêm atuando fortemente na sensibilização da população e também tinformando do que se tratam esses projetos hidroenergéticos” (Milton Sanchéz Cubas, entrevista realizada em Mendán, em 25 de maio de 2014).

As comunidades que serão atingidas pela construção da hidrelétrica vivem basicamente da pequena agricultura, destacando-se o plantio de cacau, milho, mandioca, mangas e bananas, e da plantação de coca. O pequeno município de Chumuch, dentre os visitados, tem em sua praça principal o prédio da prefeitura, uma igreja e um grande posto de policiamento da polícia nacional. Um diferencial de Chumuch é

a ausência de impactos diretos na comunidade pela construção da represa de Chadín 2. Materiais de marketing do projeto podem ser encontrados por toda a localidade, fato este facilmente explicado pela presença de um stand de divulgação de Chadín 2 no local. Durante a visita a Chumuch, observou-se um elevado número de policiais presentes na praça principal no horário da reunião das Frentes de Defesa do Rio Marañón. Por outro lado, a população local não participou da reunião. Há relação entre estes dois fatos, já que é evidente o monitoramento da polícia sobre os participantes das reuniões. Para além da força policial, em Yágen, foi notada a presença de um homem suspeito de ter vínculos com a empresa, já que ele não era um morador local e usava vestimentas diferenciadas dos outros presentes. Utilizando um celular, ele tirou fotografias e filmou os participantes da reunião. As outras quatro localidades visitadas sofrerão impactos diretos, mas de proporções diferentes. O problema na comunidade de Yágen é que as terras cultiváveis da maioria das famílias localizam-se na parte baixa da região, perto do Rio Marañón. Por este motivo, a comunidade é assediada pela Odebrecht para a venda das mesmas. A reunião em Yágen contou com cerca de 200 pessoas entre crianças, jovens, mulheres, homens, mora37


MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS dores locais e representantes de outras comunidades. Através de um ofício, o gerente da Odebrecht foi convidado à reunião, mas não compareceu. Sua ausência foi reiteradamente comentada em diversas falas durante a assembleia como uma evidência da recusa de diálogo pela empresa. Os representantes das comunidades expressaram apoio à luta de resistência ao projeto e denunciaram a falta de diálogo, as informações desencontradas fornecidas pela empresa, além da constante criminalização que sofrem por oporem-se ao projeto. O presidente da Frente de Defesa de Yagén destacou ainda que a empresa assedia os territórios com ofertas de emprego “como se nós fossemos desempregados, esquecendo que possuímos trabalho e o nosso trabalho e sustento é retirado da terra que a empresa quer nos comprar”. Deste modo, foi considerado como um fato inconcebível pelos agricultores a perda de suas terras. Para a aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é necessária a realização - antes e depois da aprovação do mesmo - de assembleias e oficinas informativas nas comunidades que serão impactadas diretamente pelo projeto. No entanto, como é evidenciado por uma das advogadas da Earth Right International (ERI), que acompanha o caso e visitou as comunidades, os moradores não possuem nenhum conhecimento sobre o Estudo de Impacto Ambiental da empresa e muito menos de sua aprovação: “Falta-lhes conhecimento básico do que é uma hidrelétrica e o que ela significa. [...] a empresa não chegou oficialmente a estes territórios para apresentar o projeto e este é um direito que possuem. Ao perguntarmos à população o que sabiam sobre Chadín e sobre o que era uma hidrelétrica, a única resposta era que eles iriam ser retirados de suas terras e eram contra isso. Também foi relatado que um dia chegou, através de rádio, a Mendán um convite para uma assembleia em Chumuch e Cortegana. Entretanto, essas localidades ficam distantes de oito a dez horas caminhando ou de burro. Está obvio que não há condições para essas populações se deslocarem. E isso somente falando de Mendán, uma

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comunidade que sofrerá impacto direto e deveria estar sendo informada. O mesmo se passa em Yágen e Tupen. Nenhuma das localidades está sendo informada” (Camila Mariño, ERI, entrevista realizada em 2 de junho de 2014).

São muitas as perguntas sem respostas. “Como será feito o reassentamento das comunidades?”; “Para onde as mesmas serão deslocadas?”; “Nos novos terrenos, os moradores poderão continuar a viver da agricultura, como fazem atualmente?”; “A terra será cultivável?”; “Quais são as características das novas casas?”; e “Como será realizada a compensação?” são alguns exemplos destes questionamentos, não respondidos pela empresa. Uma moradora de Mendán evidencia o cenário de preocupação e rechaço ao projeto pelas comunidades: “A empresa vem com suas mentiras, mas nunca disseram o quanto custaria os nossos terrenos. Dizem que vão nos colocar em casas luxuosas na cidade e nos devolverão tudo o que temos aqui. Mas nós não queremos essas coisas. Nós não estamos acostumados a viver na cidade. Sair daqui e ir para outro lugar depois de tantos anos seria muito diferente. Que fim seria de nós e de nossos filhos? Eles necessitam de educação e de muitas coisas. Mas de onde poderíamos dar todas essas coisas já que o dinheiro que nos darão terminará? Enquanto as nossas terras nunca deixariam de nos alimentar e continuariam a alimentar as nossas descendências. Por isso eu não estou de acordo com o que querem fazer conosco. Trabalhos, darão aos profissionais. Não darão trabalhos para nós, analfabetos. Aqui, nós trabalhamos na terra e vivemos dela para manter nossos filhos. Nós, aqui, temos trabalho. Todos que podem trabalhar aqui têm trabalho. Todos os dias trabalhamos e mantemos as nossas famílias. Há muitas pessoas que não têm casas ou chácaras mas, trabalhando, conseguem se manter e manter seus filhos. Se formos embora daqui não saberemos o que acontecerá conosco, se morreremos de fome e para onde nos levariam. Que fim será de nós se sairmos de nossas terras? Não estamos de acordo em


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU vender os nossos terrenos. Nós somos muitos aqui e a maioria não está de acordo” (Moradora de Mendán I, entrevista realizada em 24 de maio de 2014).

Neste contexto, a advogada, Carmem Rosa, que acompanha o caso e a situação das comunidades através da organização ERI, destaca a violação do direito à informação em todo o contexto e implementação de Chadín 2: “O primeiro direito que está sendo violado é o direito à informação pública. As informações não estão transitando e nem estão adequadas social e culturalmente para a população envolvida. Isso se estabeleceu desde o princípio, quando se deu a concessão temporal. Logo quando iniciaram os processos de participação cidadã, como está estabelecido pela lei, não se cumpriu o repasse de todas as informações às populações. Essas informações são necessárias para que a população possa analisar e ter uma opinião sobre o projeto. Os mecanismos de participação nos processos das hidrelétricas, em geral, possuem normativas, mas que não estão adequadas à realidade. Cumprem prazos, fazem uma oficina ou um evento... mas é um cenário onde as pessoas não vão obter informações sobre o projeto que irá mudar sua vida, seu trabalho, sua casa, sua família e seu território” (Carmem Rosa, ERI, entrevista realizada em 2 de junho de 2014).

A criminalização do Estado peruano às lutas de resistência ao projeto Chadín 2 já contabilizam 60 líderes locais investigados ou processados por delitos como sequestro, homicídio e terrorismo, entre outros (ERI, 2014, p. 6). Os processos judiciais contra indivíduos que atuam na resistência aos projetos considerados prioridade para o governo peruano fazem parte das estratégias de desarticulação das lutas locais. Além destes processos, há relatos de casos de intimidação realizada pela polícia nas comunidades. Dois moradores de áreas que serão atingidas pelas obras e são opositores ao projeto, por exemplo, sofrem acusações de narcoterroristas. Policiais tentaram invadir suas casas 39



O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU com o intuito de expulsá-los. A empresa Odebrecht também investe na desarticulação da resistência dos moradores através da tentativa de realizar negociações individuais com eles. Não há relatos da presença oficial da empresa nas comunidades para a realização de assembleias ou oficinas consultivas e explicativas sobre o projeto durante os três anos desde que o mesmo foi assinado pelo governo. O que se relata é o assédio de alguns funcionários da empresa para comprar as terras, negociando individualmente com cada proprietário e, desse modo, causando tensões e divisões nas comunidades. A empresa, no entanto, afirma ter realizado assembleias e oficinas consultivas, fato que, como mencionado, é veementemente contestado pelas comunidades. O que os moradores afirmam é que houve poucas audiências em locais de difícil acesso para as famílias, contrariando o que é exigido pela lei: a realização de audiências em áreas próximas às comunidades, de modo a facilitar o deslocamento e a participação dos moradores. Mesmo assim, alguns representantes das comunidades relataram que foi feita uma articulação para que algumas pessoas se deslocassem para participar da audiência realizada em Chumuch. Entretanto, ao chegarem ao local da assembleia, foram barrados por policiais que cercavam o local. Todos os fatos relatados até o momento pelos moradores evidenciam a atuação conjunta entre os entes públicos e privados na violação dos direitos humanos que as comunidades vêm sofrendo para que o projeto Chadín 2 seja efetivado. A advogada Carmem Rosa aponta a conivência do aparato estatal com a violação de direitos do projeto:

mitido todo esse cenário. O Estudo de Impacto Ambiental deve, por lei, considerar os impactos sociais. Isso inclui a infraestrutura pública, mas também a infraestrutura das comunidades afetadas e de seus territórios. Essas informações deveriam ser primeiro analisadas para saber qual a realidade e como irão ser operados mecanismos e programas para a restituição, reassentamento e compensação por suas perdas. Essas informações dentro do Estudo de Impacto Ambiental são praticamente inexistentes. Tudo o que dizem é que haverá um plano de relações comunitárias que, depois de produzir um censo, irá produzir informações para realizar as compensações. Mas não há um programa concreto onde há identificação da população. Além de não haver comprometimento de investimento para as compensações. Pouco poderá ser feito depois que as comunidades forem retiradas se a empresa não se comprometer formalmente em investir no reassentamento das populações em igualdade de condições dos locais em que elas vivem ou até mesmo em melhores condições” (Carmem Rosa, ERI, entrevista realizada em 2 de junho de 2014).

A importância de Chadín 2 reside, especialmente, em ser a primeira hidrelétrica a ser construída no Rio Marañón. A concretização ou não do projeto influenciará na viabilidade da construção das outras dezenove hidrelétricas. As populações locais em articulação com organizações de Cajamarca vêm empreendendo uma luta diária para que o projeto seja questionado e barrado. É evidente que somente a pressão popular poderá reverter o quadro atual, como ocorreu com o projeto mineiro Conga, também em Cajamarca.

“[...] Na região do Marañón temos populações que migram dentro do mesmo território e que possuem relação direta com seus territórios. Não somente pela questão do trabalho, mas especialmente porque foi desenvolvido um tecido social, uma sociedade que está intimamente interligada para o desenvolvimento de suas atividades e de suas vidas. [...] Não só a empresa, mas também as autoridades governamentais, tem per-

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

Em outubro de 2015 foi anunciado pelo Diretor de Sustentabilidade e Comunicações de Chadín 2, Mark Stenning de Lavalle, que Odebrecht Energia do Peru S.A. suspenderá até setembro de 2016 as atividades que realizava na região ligadas ao projeto de Chadín 2 e prévias aos inícios das obras. Peru S.A. suspenderá até setembro de 2016 as atividades que realizava na região ligadas ao projeto de Chadín 2 e prévias aos inícios das obras. O trabalho paralisado se refere aos programas sociais que a empresa realizava em comunidades da região onde pretendem construir a hidrelétrica, prática comum das empresas de criar relações mais próximas nos territórios onde atuam, criando ações de atendimento médico, cursos para jovens e entrega de brindes, como calendários, canetas, cadernos, etc. A justificativa dada pelo Diretor da empresa foi de ordem técnica: “Estamos fazendo uma paralisação até que possamos fazer a última prova de mapeamento e engenharia que nos falta. Mas mesmo assim começaremos com os trabalhos das vias de acesso e com a titulação de

terras”43. Anunciaram que retirariam os escritórios das localidades de Cortegana, Chumuch, Balsas e Celendín. Em seguida a empresa fechou de fato alguns dos escritórios e retirou funcionários da região, mas mantém uma base ativa no centro do município de Celendín. As organizações sociais críticas ao projeto de Chadín 2 acham que a paralisação provisória de alguns projetos não é de ordem técnica, mas sim políticas. Defendem que a razão principal é a grande resistência contrária ao projeto em comunidades nas áreas de influência direta e indireta do empreendimento. Milton Sánchez, da Plataforma Interinstitucional Celendina acredita que a paralisação temporária de algumas atividades tem a ver com uma estratégia de desinformação da empresa: “Eles vão continuar. Isto significa que persiste a ameaça sobre o Maranhão, a inundação de zonas produtivas e o conflito gerado por eles, e que continuará até que se retirem definitivamente.”

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http://noticiasser.pe/21/10/2015/cajamarca/odebrecht-suspendetemporalmente-proyecto-chadin-ii


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

Projeto Rio Grande As preocupações dos dirigentes dos movimentos sociais da região não são vazias. Apesar de ter paralisado parcialmente as ações referentes à Chadín 2, a Odebrecht no Peru continua extremamente ativa. A subsidiária Odebrecht Energia no Peru S. A. deu continuidade em setembro de 2015 às audiências públicas referentes à construção de outras duas hidrelétricas no rio Maranhão: Rio Grande I e Rio Grande II. A primeira com capacidade de produção de 600 Mw e a segunda, 150 Mw. A empresa obteve uma concessão temporária, por decreto do Ministério do Meio Ambiente, em novembro de 2014. Mas até hoje não apresentou o relatório completo dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA). Não obstante, a empresa já atua em nome do “Complexo Hidrelétrico Rio Grande” na região por meio de projetos sociais, com atendimento gratuito de médicos de diferentes áreas, nas comunidades que serão afetadas pelas obras. E entre os dias 10 a 13 de setembro foram realizaradas audiências em algumas comunidades da região de área de influência direta destas

hidrelétricas. Jorge Chávez, da Plataforma Interinstitucional Celendina, narra que as audiências foram marcadas por forte aparato policial nas cidades, com fechamento das vias de acesso aos lugares e bloqueio da entrada dos locais de audiência. “Foi horripilante. No dia 13 a escola onde aconteceu a audiência foi completamente cercada por policiais, com muitos armamentos. Ameaçavam deter as pessoas que estavam filmando, as pessoas só conseguiam gravar de longe. Inclusive percebemos a presença de franco-atiradores perto da escola”, conta Jorge Chávez. A polícia impediu a entrada nas audiências de muitos representantes de comunidades e líderes de movimentos sociais da região. Constata-se que embora a empresa tenha anunciado a paralisação temporária de algumas atividades referentes à Chadín 2, o contexto geral é de avanço dos projetos hidrelétricos da empresa no rio Maranhão e de recrudescimento da repressão às organizações e lideranças críticas aos projetos.

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

CONSIDERAÇOES FINAIS O presente relatório constitui-se como um instrumento de visibilização da atuação de uma empresa brasileira, neste caso a Odebrecht, em um país vizinho. A escolha pelo projeto da hidrelétrica de Chadín 2 foi feita pela sua relação direta com a cadeia de mineração e a grande centralidade do tema nos debates e ações dos movimentos sociais e organizações peruanos. A partir da parceria com atores e organizações locais, foram realizadas visitas a cinco comunidades que estão no raio de impacto do projeto, possibilitando um mapeamento mais amplo da realidade, além do intercâmbio de informações e experiências. Todos os relatos apontam similaridades nas violações de direitos praticadas pela empresa Odebrecht tanto no Brasil (relatadas por diversas organizações e movimentos

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sociais brasileiros) como no Peru. Neste sentido, o intercâmbio de informações e experiências entre os dois países tornou-se essencial e explicitou o violador modus operandi da Odebrecht. À luz do projeto Conga, ao qual há uma expressiva resistência no departamento de Cajamarca, tornou-se evidente que, mesmo com os processos legais de contestação do Estudo de Impacto Ambiental, a estratégia mais efetiva é a organização popular das comunidades e a articulação dos movimentos sociais e das entidades envolvidas para a produção de estudos que explicitem as graves, e muitas vezes irreversíveis, implicações sociais e ambientais da construção de hidrelétricas na região do Rio Marañón.


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

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MINERAÇÃO DE FOSFATO: O CASO DO PROJETO BAYÓVAR E VALE

LUIS MANUEL CLAPS


MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

2.1 Resumo O Brasil é um dos maiores exportadores agrícolas, mas seu gigantesco sistema produtivo é dependente da importação de minerais utilizados na fabricação de fertilizantes. Nitrogênio, fósforo e potássio formam a conhecida fórmula básica dos fertilizantes, NPK. Desse modo, considerando o atual modelo de produção agrícola brasileiro, estruturado em grandes propriedades de terra e monoculturas, especialmente de grãos para exportação, o fostato é um dos insumos mais importantes para garantir a produtividade e manutenção deste modelo. 1 A indústria brasileira de fertilizantes não conseguiu acompanhar o ritmo de crescimento da demanda causada pela expansão da agricultura no país nos últimos anos. As importações de matéria-prima foram a solução encontrada para atender à demanda crescente do mercado interno e, segundo estatísticas oficiais importações de fertilizantes superaram um total de US$ 9 bilhões somente em 2013. A China, que segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura tem a segunda maior reserva de fosfato do mundo, impõe 135% de alíquota sobre o fosfato importado pelo Brasil, por exemplo. Nesse sentido, desde 2010 a mineradora brasileira Vale explora uma das maiores jazidas de fosfato da América do Sul, na costa norte do Peru, mais especificamente na cidade de Sechura, no departamento de Piura. Denominado Projeto Bayóvar, exigiu um investimento de US$ 566 milhões, e permitirá a extração de 238 milhões de toneladas deste insumo básico do agronegócio em um período de trinta anos. A exploração da mina Bayóvar é feita a céu aberto em terrenos da Comunidade Campesina San Martin de Sechura, reconhecida pelo Estado peruano em 1937. Após estas três décadas de operações, estimase que restarão 113 milhões de toneladas de rejeitos 48

na área de Sechura. Quando começou a exploração comercial em 2010, a Vale vendeu às multinacionais Mosaic, do Canadá (35%), e Mitsui, do Japão (25%). A construção da planta e das instalações portuárias ficou a cargo das corporações, também brasileiras, Odebrecht e Andrade Gutiérrez. As conversas e relações com a comunidade foram realizadas através de uma fundação privada, à qual foram transferidos gratuitamente os terrenos onde a mina seria explorada e esta administra os vínculos com o governo da província. Entretanto, as crônicas dos jornais informam que os milhões da Vale que deveriam chegar à comunidade “nunca foram gastos”. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto, realizado pela Golder Associates, afirmava o compromisso de ter o máximo cuidado com o meio ambiente. No entanto, pouco tempo depois, tiveram início os impactos no ar, na terra e na água daquela região. A Federação dos Trabalhadores do Petróleo denunciou que a poeira em suspensão gerada pelo embarque dos concentrados fosfáticos afeta a população da enseada (caleta) de Puerto Rico. A Frente de Pescadores Artesanais também denunciou que os despejos de fosfato no mar aceleram a eutrofização (processo que provoca o excessivo crescimento da biomassa e o empobrecimento da diversidade) da Baía de Sechura. Este despejo prejudica pequenos e médios produtores que investem em rentáveis cultivos de vieiras (espécie de molusco bastante apreciado na gastronomia, mais conhecido no Peru como conchas de abanico). O departamenteo de Piura, um dos 25 do país, também conta com o maior número de pescadores e construtores de barcos artesanais do Peru. O Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental (Oefa) impôs sanção à subsidiária Mineradora Miski Mayo e, através da Resolução Direto-


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

2.2 Metodologia ra 518-2013-OEFA-DFSAI, de novembro de 2013, determinou uma multa. No início de 2014, a Justiça Global usou um mecanismo de acesso à informação pública do Oefa. Através da Carta 028-2014/OEFA-RAI, de 17 de janeiro de 2014, o Escritório de Comunicações e Atenção ao Cidadão daquele organismo anexou também a resolução relativa às sanções. Em julho de 2014, o Congresso da República aprovou a Lei 3.627, conhecida como “pacotão ambiental”, proposta em caráter de urgência pelo governo do atual presidente Ollanta Humala para favorecer o investimento privado e estimular o crescimento econômico. Esta lei estabelece que o Oefa não poderá impor sanções ambientais por três anos. Portanto, se a Vale cometer novas violações ambientais em Sechura, ela não receberá sanções. Uma investigação independente afirma que a mineração de fosfato em Sechura “não parece conduzir ao desenvolvimento da comunidade, nem da província”. Desse modo, a Frente de Defesa dos Interesses de Sechura (Fredcse) propôs a revisão do contrato da mina Bayóvar. No entanto, a Vale abriu caminho para novos megaprojetos na baía, uma vez que o modelo de relação contratual estabelecido para o fosfato de Bayóvar está se replicando atualmente no Projeto Fosfatos do Pacífico, do Grupo Hotchschild e de suas parceiras Mitsubishi, do Japão, e Zuari, da Índia. Outra consequência da expansão da mineração de fosfato em Sechura é a obstrução da criação da Área Comunal Humedales de Virrilá – Ramón y Napique, impulsionada pelos governos locais e pela sociedade civil para proteger um dos mais importantes habitats de aves aquáticas e migratórias da costa pacífica sul-americana.

Esta investigação foi organizada em várias etapas. A compilação e o levantamento da bibliografia disponível começaram nos últimos meses de 2013. Foram identificados os principais eixos sociais e ambientais vinculados à mina Bayóvar e formulou-se um plano de trabalho de campo. Solicitações de acesso à informação pública tramitaram no Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental (Oefa). Após algumas entrevistas iniciais, em Lima, uma primeira visita de campo, em fevereiro de 2014, serviu para estabelecer os primeiros contatos em Piura e percorrer a zona afetada pela mina. Augusto Chapilliquen, secretário de Relações Interinstitucionais da Frente de Defesa da Comunidade San Martín de Sechura, facilitou os aspectos logísticos e a coleta de informação local. A segunda visita de campo, em maio de 2014, contou com um melhor planejamento e mais recursos. Uma equipe de três pessoas realizou entrevistas, registradas em vídeo; recolheu publicações locais, folhetos e revistas, dentre outros materiais; e percorreu a zona de acesso público próxima à mina Bayóvar. As entrevistas com pessoas-chave produziram testemunhos e documentação relevantes (relatórios, recortes de jornal, representações judiciais e estudos, entre outros) em Piura,Vice, Parachique e Puerto Rico. Para a realização deste Relatório foram feitas entrevistas com diversos representantes de organizações, movimentos sociais, empresas, órgãos do governo e especialistas. Abaixo, em ordem alfabética, constam os nomes da maior parte deles. Agradecemos a todos pelo interesse, disposição e importante contribuição: Alexander More, ONG Naturaleza y Cultura Internacional, Piura; Anmary Narciso Salazar, responsável pelo Acesso à Informação Pública do Oefa; Augusto Nunura Zeta, presidente da Empresa Co49


MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS munal de Serviços Agropecuários San Cayetano (Ecomusa),Vice, Sechura; César Valencia Panta, chefe da Imagem da Comunidade Campesina San Martin de Sechura; Domingo Tomas Tumé, professor da Escola Tecnológica da Universidade de Piura; Evin Querevalú, presidente do Sindicato de Trabalhadores da Petroperú em Piura; Fátima Flores R., Oficina de Comunicaciones y Atención al Ciudadano del Oefa; Jorge Mendoza Agurto, advogado da Frente de Defesa da Comunidade San Martín de Sechura; José de Echave, Cooperacción, Rede Muqui, Lima; Katherine Vanessa Machane Risco, com Licenciatura, na Enfermaria do Posto de Saúde Nivel 1 de Puerto Rico, Bayóvar; Luis Alberto Cabrera Alvarado, agente municipal de Puerto Rico, Bayóvar; Luis César Chunga Chunga Coletivo Comunal de Reflexão de Sechura, La Unión; Lupo Canterac, Rede Água Vida, Piura; Rubén Valetín Soria, subgerente de Saúde e Meio Ambiente da municipalidade provincial de Sechura; Susana Ramírez Cruz, Juiza de Paz de Puerto Rico, Bayóvar; Teobaldo Rumiche Fiestas, engenheiro, ex-vicepresidente da Comunidade Campesina San Martín de Sechura; Wilmer Chavez Heredia, secretário geral da Frente de Pescadores Artesanais Aquicultores de Puerto Rico (AFREPAAC), Parachique, Sechura.

2.3 -Contextualização O dia 19 de abril de 2005 não foi um dia qualquer para a cidade de Sechura. Naquele dia foi assinado o contrato para a exploração de uma das jazidas de 50


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU fosfato mais ricas da América do Sul 44. Um mês antes, em 15 de março, a Agência de Promoção do Investimento Privado (ProInversión) deu por sentença o projeto à única ofertante, a Mineradora Miski Mayo, subsidiária da multinacional brasileira Vale. Durante o evento, ressaltou-se muito o tema do desenvolvimento sustentável e o anúncio de cinco mil postos de trabalho. O então presidente peruano, Alejandro Toledo, testemunha de honra do ato, chegou com um cheque de US$ 1 milhão, em nome de uma fundação privada para a qual foram transferidas as terras da comunidade rural onde se localizava a mina a ser explorada. Um artigo do jornal La República detalhava: “Após 50 anos de espera, o acordo foi assinado pelo presidente da comunidade camponesa, Dante Paiva, o diretor-executivo da empresa Vale, José Lancaster, e o diretor-executivo da ProInversión, René Cornejo”45. Um coro acalorado interpretou a tradicional e popular marinera “Sechura vale un Perú”.

Alejandro Toledo com o cheque de US$ 1 milhão em nome da Comunidade San Martín de Sechura. Fonte: Vale.Com [44] Convenio Marco de Cooperación entre ProInversión y la Comunidad Campesina San Martín de Sechura 2005. Disponível em: http:// www.proinversion.gob.pe/RepositorioAPS/0/0/JER/BAYOVAR_ CONTRATO/Contrato_Usufructo_Bayovar.pdf [45] “Contrato de Bayóvar se firmó en Sechura a ritmo de tondero”, LaRepública, 20 de abril 2005. Disponível em: http://www.larepublica.pe/20-04-2005/ contrato-de-bayovar-se-firmo-en-sechura-ritmo-de-tondero

A mina Bayóvar e sua infraestrutura agregada estão localizadas nos terrenos da Comunidade San Martin de Sechura, cuja fundação data de 1544. Esta comunidade se sobrepõe quase totalmente à província de Sechura, criada em 1994, que inclui os distritos de Sechura (capital provincial),Vice, Bellavista de la Unión, Rinconada Llicuar, Cristo Nos Valga e Bernal. Na comunidade existem também dezenas de casarios ou anexos, tais como Chalaco, Becará, Bocana, Chusis, Miramar, Nuevo Chulliyachi, Matacaballo e El Barco, entre muitos outros povoados e assentamentos que compartilham uma mesma tradição cultural. Trata-se de um território de cerca de 700 mil hectares, com uma população de aproximadamente 40.000 habitantes. A história da Comunidade de Sechura girou sempre em torno da defesa dos territórios comunitários. Em 1578, o Vice Rei Toledo expediu uma resolução que reconhecia a existência legal das comunidades indígenas de Santo Domingo de Olmos, San Juan de Catacaos, San Lucas de Colán, San Francisco de Payta e San Martín de Sechura. Porém, ao reconhecê-las, houve a imposição das reduções (aldeamentos de indígenas convertidos à religião cristã, administrados e organizados pelos padres jesuítas) e de encargos, obrigando os moradores originários a pagarem por suas próprias terras. No século XIX, as grandes fazendas começaram a se apropriar dos terrenos comunitários e os enfrentamentos com os fazendeiros duraram décadas. Vicente Chunga Aldana, chamado de “Rosendo Maqui de Piura”46, foi eleito presidente comunal na Assembleia Geral de 28 de outubro de 1930. Formaram, então, o Comitê Central de Defesa, que conseguiu o reconhecimento oficial dos terrenos comunitários em 19 de agosto de 1937. Após a descoberta das jazidas de Bayóvar, na década de 1950, fundaram a Companhia de Minas Jorge Al[46] MENDOZA AGURTO, Raúl (2011). Documentos que se relacionan con la historia de la Comunidad Indígena de Sechura. Piura.

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS berto, que mais tarde mudou de nome para Minerales Industriales del Perú (Midepsa). O governo de Velasco Alvarado outorgou as concessões à empresa estatal Minero Peru e criou a Unidade de Produção Bayóvar, em 1973. Entretanto, a empresa enfrentou longos períodos de dificuldades e desafios. Em 1990, o governo regional transformou a Empresa Promotora Bayóvar (ProBayóvar) na Empresa Minera Regional Grau Bayóvar (EMRGB), que conseguiu uma produção de 95.000 toneladas e chegou a exportar para a Nova Zelândia e Austrália. Em 1993, esta empresa apresentou ao governo um plano de desenvolvimento para duplicar a capacidade da planta e construir um cais. Porém, o regime de Fujimori (1990 a 2000) ordenou a privatização de todos os ativos e, mediante o decreto supremo 406-93-PCM, designou um Comitê Especial de Privatização. A Resolução Suprema (RS) 106-2000-PRES, de setembro de 2000, pretendia inscrever como domínio do Estado os 226.000 hectares da comunidade correspondentes à principal área do projeto. Já durante o mandato do presidente Alejandro Toledo (2001 a 2006), a RS 116-2003-EF, de maio de 2003 autorizou a ProInversión a constituir a Fundação Comunal San Martin de Sechura e transferir gratuitamente para esta fundação as terras em disputa. Ao mesmo tempo, dispôs dos direitos reais de superfície e de servidão do projeto de mineração a favor da Empresa Minera Regional Grau Bayóvar, que estava para ser vendida à Vale. Por seu lado, a Vale se comprometeu a pagar US$ 0,5 milhão anuais à Fundação Comunal, a partir do terceiro ano de exploração, para projetos de desenvolvimento que beneficiassem a população local. A exploração comercial da mina Bayóvar começou em agosto de 2010. O presidente em exercício naquela época, Alan Garcia (2006 a 2011, em seu segundo mandato), declarou que a privatização das jazidas “tornava realidade uma ilusão”. As relações iniciais com a Comunidade San Martin de Sechura foram realizadas através da criação de uma fundação privada que administraria os vínculos com o governo provincial, e 52

rapidamente foi criado o Fundo Social Bayóvar47, uma organização de caráter privado, sem fins lucrativos. Matérias jornalísticas de meados de 2013 reportam a disputa do prefeito da província de Sechura com o presidente da Comunidade Campesina pela presidência do Fundo Social48. Em setembro de 2013, as autoridades regionais de Piura, da província de Sechura e representantes da comunidade assinaram uma ata de entendimento para a utilização dos milhões de dólares acumulados que “nunca foram gastos” na comunidade49. A Frente de Defesa dos Interesses de Sechura (Fredcse), organização que agrupa um conjunto de associações de maricultores e outros sindicatos, propôs a revisão do contrato da mina Bayóvar. Para Augusto Chapilliquen, porta-voz da Frente, “a Fundação passou por cima da legislação sobre comunidades camponesas no Peru; a ProInversión montou esta estrutura legal que não será fácil de modificar: René Cornejo Díaz, seu diretor-executivo entre 2004 e 2007, foi nomeado presidente do Conselho de Ministros pelo presidente Humala, em fevereiro de 2014. u50

[47] Disponível em: http://www.fospibay.com/ [48] Disputas por la presidencia del Fondo Social Bayóvar”, El Tiempo,30 de julio 2013. Disponível em: http://eltiempo.pe/2013/07/30/disputas-porla-presidencia-del-fondo-social-bayovar/ [49] “Autoridades acuerdan uso del dinero del Fondo Social Bayóvar”,RPP, 16 de setiembre 2013. Disponível em: http://www.rpp.com.pe/2013-0916-piura-autoridades-acuerdan-uso-del-dinero-del-fondo-social-bayovarnoticia_631338.html [50] HURTADO, Alejandro Diez. Planificación territorial, ciudadaníacomunal y solución de conflictos socioambientales. Las disputas por elgobierno y la administración del espacio costero litoral en Sechura.Lima: Rimisp. 2012. Disponível em: http://www.rimisp.org/wp-content/ uploads/2013/03/251.pdf


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

San Martín de Sechura, comunidade camponesa ou fundação privada?

“A fundação ‘pertence à comunidade’, mas tem uma diretoria separada da comunidade San Martín de Sechura, composta por onze membros. Somente o presidente pertence de fato da comunidade. Contrataram um gerente e uma série de funcionários por iniciativa da diretoria mas, em particular, do presidente. Em sua primeira gestão, decidiu-se investir o dinheiro em projetos de geração de renda. Adquiriram maquinário de arado para alugar, criaram um centro de capacitação em tecidos, um moinho de arroz para prestar serviços, criaram uma granja avícola e múltiplas iniciativas de apoio à produção destinadas aos criadores de gado, agricultores e pescadores. Já em 2008 ficou evidente que vários dos projetos empreendidos não estavam dando os resultados esperados. Segundo o relatório 005A – GC/2008, do gerente geral Carlos Palácios Otero, havia problemas em todos os itens do investimento. O que parecia ser uma negociação bem sucedida, no âmbito de um processo de desenvolvimento e acumulação provincial de capacidades e recursos, não parece produzir os resultados esperados e, sobretudo, não conduz ao desenvolvimento da comunidade, nem da província”.

A Vale investiu US$ 566 milhões na construção do complexo mineiro e de sua infraestrutura agregada. Em 2010, vendeu participações às multinacionais Mosaic, do Canadá (35%), a maior produtora combinada de fosfato e potássio do mundo, e Mitsui, do Japão (25%). Apesar das promessas de privilegiar a contratação local, a construção da mina e sua infraestrutura agregada foram implementadas pelas brasileiras Odebrecht e Andrade Gutiérrez. Em março de 2005, a Odebrecht adjudicou o contrato para a construção da zona de descarga, esteira para transporte, zona para secagem e terminal portuário para o projeto51. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou a construção de uma planta dessalinizadora.52.

2.4 - Alto consumo energético e elevado volume de dejetos contaminados A mina Bayóvar localiza-se aproximadamente a 1.000 km ao norte de Lima e 110 km ao sul da cidade de Piura, na província de Sechura. A cerca de 30 km da costa do Oceano Pacífico foram feitas várias escavações, de onde se espera extrair 238 milhões de toneladas de fosfato durante trinta anos. O depósito encontra-se coberto por areia e material sedimentar, que podem ser removidos, para expor a rocha fosfática, sem a necessidade de explosões. Após a extração, o fosfato é transportado por caminhões para uma zona de empilhamento e um sistema de tremonhas de carga, alimentadores e esteiras o

Alejandro Diez Hurtado, docente e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Peru50.

[51] Odebrecht Informa No 148 (Mayo/junio 2010) Disponível em: http:// www.odebrechtonline.com.br/pdfs/148/oi_148_es.pdf [52] “BNDES completará desembolsos por US$ 870M en 2011 para desarrollo de obras de infraestructura en América Latina”, América Económica, 27 de noviembre 2011.

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

transfere para a planta concentradora de circuito contínuo, atualmente capaz de produzir 3,9 milhões de toneladas anuais. O processo de concentração consiste de várias etapas de lavagem e separação gravimétrica com água do mar, que é fornecida por uma canalização de 40 km proveniente de quatro pontos de tomada de água no porto. A planta dessalinizadora fornece a água doce necessária para a última etapa, que retira o excesso final de sais da rocha fosfórica. O concentrado de fosfato é transportado por caminhões que descarregam em um local de descarga na costa, a uns 30 km da mina. A partir dali, ele segue para a zona de secagem através de outra esteira transportadora de 5,3 km. Finalmente, fornos rotatórios são utilizados para secá-lo e para eliminar a umidade. O material, em seguida, é armazenado em silos, para posterior envio ao cais, através de outra esteira tubular. A capacidade máxima de embarque é de 3.500 toneladas de fosfato por hora. De acordo com a própria Vale, no primeiro ano a produção alcançou 1,085 milhão de toneladas, número que aumentou no segundo ano para 2,8 milhões e em 2013 saltou para 3,7 milhões. Porém, não é o grande volume, mas a qualidade que coloca as jazidas de Bayóvar no nível das melhores do mundo. “O que é realmente incomum é ser solúvel em água, não há muitas jazidas de fosfato que podem ser processadas com tanta facilidade”, afirma uma matéria da Mineweb,

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publicada em 201353. Segundo o sítio eletrônico da Vale, a operação do concentrado oriundo de Bayóvar é um processo “tão simples como lavar com água do mar.” A energia da planta é proveniente da Subestação Laguna La Niña do Sistema Interconectado Nacional. A Vale consome o dobro da energia elétrica da cidade de Sechura, onde vivem umas 30.000 pessoas. Após 30 anos de operações, estima-se que 113 milhões de toneladas de rejeitos serão abandonadas na área. Também cabe ressaltar que a rocha fosfórica de Bayóvar contém minerais perigosos como o urânio54.

2.5 - A insaciável demanda de um gigantesco sistema produtivo O fósforo é um nutriente essencial para as plantas, já que fomenta o enriquecimento do solo, facilita a formação das raízes, estimula a floração e a formação da semente. A maior parte da produção mundial de rocha fosfórica é utilizada como fertilizante, embora o [53] “Another Bayóvar? (Hint: Phosphate) Focus aims to find out”,Mineweb, 12 de septiembre 2013. [54] “Fosfatos de Bayóvar tendría la mayor reserva de uranio en Perú, según IEDES", Andina, 28 de abril 2008 Disponível em: http://www.andina.com. pe/agencia/noticia-fosfatos-bayovar-tendria-mayor-reserva-uranio-perusegun-iedes-172211.aspx


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU fósforo também seja empregado em outras indústrias, como a de suplementos alimentícios para animais e a fabricação de detergentes. O Brasil importa os minerais necessários para alimentar seu gigantesco sistema produtivo do agronegócio. As compras de fertilizantes somaram US$ 9,1 bilhões em 2013, de acordo com as estatísticas oficiais divulgadas pela agência de notícias espanhola EFE55. Para reduzir a dependência externa, o setor dos fertilizantes é atualmente subsidiado pelo Regime Especial de Incentivo ao Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria de Fertilizantes (Reif), implementado pelo governo do presidente Lula, em setembro de 2012. A Vale Fertilizantes foi constituída em 1977 e, atualmente, opera doze unidades produtivas em quatro estados brasileiros: São Paulo, Sergipe, Goiás e Minas Gerais 56 . Além disso, conta com outros seis projetos em Moçambique, na Argentina e no Canadá.

2.6 - Conviver com a Vale é conviver com violaçoes O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Projeto Bayóvar57, realizado pela Golder Associates Perú58, afirmava o compromisso de ter o máximo cuidado com o meio ambiente. No entanto, em pouco tempo, tiveram início os impactos no ar, na terra e na água das zonas próximas às operações.

[55] “Brasil busca disminuir importación de fertilizantes con nuevamina de potasio", EFE, 23 de abril 2012. Disponível em: http://www.abc.es/ agencias/noticia.asp?noticia=1151937 [56] Disponível em: www.valefertilizantes.com [57] COMPAÑÍA MINERA MISKI MAYO. Resumen ejecutivo del EIA del proyecto Bayóvar, 2007. Disponível em: http://intranet2.minem.gob.pe/ web/archivos/dgaam/inicio/resumen/RE_1743169.PDF [58] Disponível em: http://www.golder.com.pe/

Impactos no ar O porto utilizado para a exportação dos concentrados de fosfato é um dos segmentos do empreendimento que gera sérios impactos ambientais. O resumo executivo do EIA assegura que a infraestrutura portuária eliminaria “a possibilidade de que o concentrado seja arrastado pelo vento nas operações de carga”. Porém, a Federação de Trabalhadores do Petróleo do Peru e a Associação de Trabalhadores do Transporte, Maquinaria Pesada e Serviços de Sechura denunciaram que a poeira em suspensão resultante das operações de embarque afeta seu local de trabalho, o porto da Petroperu, próximo ao porto construído pela Vale. O sindicato encomendou um estudo sobre a qualidade do ar ao Centro de Saúde Ocupacional e Proteção do Ambiente para a Saúde, em março de 2011. O secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores da Petroperú, Evin Querevalú, informou que “recolheram amostras do pó de cor negra e registraram que os trabalhadores tiveram que se proteger com máscaras para realizar suas tarefas diárias59”. Ao comprovar os impactos negativos do material particulado no momento de embarcar as cargas, o Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental (Oefa), através da Resolución Directoral 518-2013-OEFA-DFSAI, de novembro de 2013, penalizou a Mineradora Miski Mayo, impondo-lhe uma multa de dez unidades tributárias. Em comunicado à imprensa, o organismo revelava que “o Oefa concordou que a empresa não conta com um adequado método de carregamento dos concentrados de fosfato para os porões dos navios”. Afirmou ainda que o shiploader não é adequado e reconheceu-se que ele afeta a zona de influência do porto. A secura do clima contribui para a dispersão do fosfato e a empresa deverá elaborar um estudo detalhado sobre a direção dos ventos e sua rela[59] “Sindicato de Petroperú denuncia contaminación ambiental en Piura”, RPP, 30 de noviembre 2011

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS ção com o embarque dos minerais60. Segundo o resumo executivo do projeto de mineração, cerca de cem navios por ano atracarão no porto, ou seja, uns três mil navios durante toda a sua vida útil. No início de 2014, a Justiça Global acionou o mecanismo de acesso à informação pública do Oefa. Fátima Flores, responsável pelo Escritório de Comunicações e Atenção ao Cidadão do organismo, respondeu à solicitação de informação mediante a Carta 028-2014/OEFA-RAI, de 17 de janeiro de 2014, à qual anexou a documentação correspondente. Em julho de 2014, o Congresso da República aprovou a Lei 30.230, chamada de “pacotão ambiental” e proposta em caráter de urgência pelo governo do atual presidende Ollanta Humala (eleito em 2011) para favorecer os investimentos privados e estimular o crescimento econômico. Esta lei, por exemplo, impede o Oefa de impor sanções ambientais por três anos. Portanto, se a Vale voltar a poluir, ela não sofrerá sanções61.

Impactos na água A eutrofização é o aumento dos nutrientes em um ecossistema que, geralmente, provoca o excessivo crescimento da biomassa e o empobrecimento da diversidade. A eutrofização local pode gerar o turvamento e impedir que a luz penetre até o fundo do ecossistema, afetando a fauna maior. Segundo uma pesquisa realizada, em 2013, pelo engenheiro pesqueiro, oceanógrafo e hidrobiólogo Os[60] “OEFA se pronuncia en caso de la Unidad Minera Miski Mayo”, Comunicado de prensa de Oefa, 25 de noviembre 2013. Disponível em: http://www.oefa.gob.pe/?p=31607 [61] Disponível em: http://www.defensoria.gob.pe/modules/Downloads/ documentos/Oficio-0286-14-DP.pdf

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car Eduardo Diaz Mendoza, funcionário da Direção de Coordenação de Mudanças Climáticas, do Despacho Ministerial da Pesca do Ministério da Produção: “A exploração de fosfato gera material particulado que é transportado até a zona do mar, onde atua como um fertilizante, aumentando a produtividade primária. Os nutrientes inorgânicos em excesso criam um ecossistema super enriquecido, o que pode resultar em um meio aquático sem oxigênio. A Frente de Pescadores Artesanais Aquicultores de Puerto Rico (Afrepaac) e a Associação de Pescadores Artesanais Extratores de Marisco Parachique (Apemar) denunciaram a Vale pela poluição da baía62. Em novembro de 2013, o prefeito da província de Sechura informou que os fertilizantes vertidos “provocaram o crescimento exagerado das algas na costa onde trabalham os pescadores artesanais”63. Dois anos antes, um grupo de sechuranos enviou uma carta pública ao presidente Humala solicitando que ele interviesse na problemática da poluição da baía64. Um documentário em vídeo, que explica o fenômeno da degradação ambiental, espalhou-se pelas redes sociais65 e, no final de 2013 essa questão teve grande repercussão junto à opinião pública. De acordo com os dados do I Censo da Pesca Artesanal no Âmbito Marítimo de 2012, Piura conta com o maior número de pescadores e [62] “Responsabilizan a minera por contaminación en Sechura”, Sechura Virtual, 22 de julio 2013. Disponível em: http://www.sechuravirtual. com/2013/07/responsabilizan-a-minera-por-contaminacion-en-sechura/ [63] “Vale debió construir mineroducto para evitar impactos decontaminación", Sechura Virtual, 21 de noviembre 2013. Disponível em: http://www. sechuravirtual.com/2013/11/vale-debio-construir-mineroducto-paraevitar-impactos-de-contaminacion/ [64] “Ing. Eduardo Díaz Mendoza: Los fosfatos impactan gravemente en el ecosistema marino", Sechura Virtual, 10 de septiembre 2013. Disponível em: http://www.sechuravirtual.com/2013/09/sechuranos-envian-cartapublica-al-presidente-de-la-republica-para-resolver-contaminacion/ [65] “Video documental: Vale sí contamina”, Sechura Virtual, 4 deoctubre 2013. Disponível em: http://www.sechuravirtual.com/2013/10/videodocumental-vale-si-contamina/



MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS armadores de barcos artesanais do país66. Conforme mencionado num artigo do El Correo, em uma reunião ocorrida em Lima, entre a ministra da Produção, Gladys Triveño, e dirigentes da Federação de Pescadores Artesanais do Peru (Fiupap), em dezembro de 2013, foi decidido que um estudo seria realizado sobre as águas desta área67

[66] “Ministra Triveño: “Existen 56,559 pescadores artesanales en las costas del Perú”, Produce, 4 de agosto 2012. Disponível em: http://www.produce. gob.pe/index.php/prensa/noticias-del-sector/573-ministra-trivenoexisten-56559-pescadores-artesanales-en-las-costas-del-peruPerú” [67] “Ministra Triveño aprueba estudio para medir contaminación en Sechura”, Diario Correo, 21 de diciembre 2013. Disponível em: http://diariocorreo. pe/ultimas/noticias/7715033/ministra-triveno-aprueba-estudio-paramedir

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Impactos na terra As operações da Vale afetam a zona pecuária da península de Illescas, na região noroeste do Peru, onde a Empresa Comunal de Serviços Agropecuários San Cayetano (Ecomusa) agrupa cerca de duzentas famílias da comunidade que se dedicam à criação de bovinos, caprinos, ovinos e porcinos. Estas famílias não residem permanentemente no campo, mas sim nos centros urbanos próximos, tais como Vice ou La Unión. A alfarroba (árvore cujo fruto tem sido muito utilizado na substituição do cacau) é a benção de Sechura: suporta as altas temperaturas da região e oferece múltiplos benefícios com a mínima demanda de água. Tradicionalmente, o gado se alimenta de sua forragem, quando cai naturalmente no solo e é chamada de puño.

“Desde o início, a exploração da mina de fosfato significou a morte do gado em Illescas”, afirmou Augusto Nunura Zeta, presidente da Ecomusa. Segundo ele, para transportar o fosfato, a Vale construiu uma estrada de 31 km por 11 metros de largura, desde a planta concentradora até a zona de descarga próxima ao porto. Os caminhões bitrem, que possuem dois reboques acoplados, com capacidade para transportar 70 toneladas de concentrados, circulam constantemente pela zona de criação de gado. Segundo o resumo executivo do EIA, estima-se que os ca-


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU minhões realizam 270 viagens diárias, ou seja, quase 100.000 viagens anuais. Portanto, durante os 30 anos de operações de mineração, passarão por Illescas aproximadamente três milhões de caminhões. Nunura Zeta disse ainda que a estrada mineira foi construída com milhares de toneladas de material trazido da salina e que o pó do fosfato em suspensão deixado pela passagem dos caminhões deposita-se nas árvores e as impedem de crescerem. Ele demanda projetos de mitigação e que compensem os danos causados a um trabalho ecológico de mais de 100 anos, em coexistência com a natureza. “A população que se fixou aqui cuidou desta região e a repastou durante gerações. Defenderam toda esta área da ação dos madeireiros e lenhadores. A nós resta agora presenciar a destruição do patrimônio vegetal. Em pouco tempo não restará uma árvore de alfarroba em Bayóvar”68

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2.7 - Um acesso ao Pacifico De acordo com a revista Gestión, as empresas brasileiras têm planos de investimento de US$ 100 bilhões no Peru69. Em visita a Lima, a presidenta Dilma Rousseff anunciou: “Na área ferroviária, há um projeto de interconexão que prevê a ligação dos portos de Paita e Bayóvar, na costa norte do Peru, com as ferrovias Centro-Oeste e a Norte-Sul do Brasil. Caso as obras fiquem prontas, será possível realizar o escoamento de grãos brasileiros para o Peru, que, por sua vez, conseguiria exportar fosfato para o Brasil, além de ampliar

[68] “Ganaderos de Illescas reclaman apoyo”, Gua3.0, 28 de junio 2012. Disponível em: http://gua30.wordpress.com/2012/06/28/ganaderos-deillescas-reclaman-apoyo/ [69] “Empresas de Brasil tienen planes de inversión por US$ 100 milmillones en Perú”, Gestión, 13 de noviembre 2013. Disponível em: http://gestion.pe/ economia/empresas-brasil-tienen-planes-inversion-us-100-mil-millonesperu-2080949

projetos de minerais no Norte daquele país”70. Cabe ressaltar que esta via oferece uma saída marítima para os produtos agropecuários do Brasil, destinados à Ásia, pelo Pacífico. O desenvolvimento e a execução do projeto abarcarão 5.600 km, dos quais 1.594 serão executados no Peru. A ferrovia entraria no país pelo departamento de Ucayali, continuando por Huánuco, San Martin, Amazonas, Cajamarca e Piura. Estima-se que dois bilhões de quilos de soja poderão ser transportados por esta ferrovia, além dela facilitar a exportação de mais de US$ 800 milhões anuais relativos à exploração do fosfato71. Em março de 2014, Carlos Alfredo Lazary Teixeira, embaixador do Brasil no Peru, declarou à revista Gestión: “O Brasil prioriza o acesso ao Pacífico através de ferrovias que passem pelo Peru”. Cento e doze milhões de razões “Enquanto, em 2010, discutia-se a venda de parte de Bayóvar à Mosaic, por US$ 385 milhões e à Mitsui por US$ 275 milhões, o jornalista do La República, Humberto Campodônico, perguntava-se: “Onde será constituída a nova empresa? No Peru ou no Brasil? Se a venda das ações da Bayóvar acontecer no Brasil, onde é que a Vale vai pagar os US$ 112 milhões do imposto sobre o lucro? O mais provável é que seja no Brasil”. Humberto Campodónico, La República72

[70] “Dilma visita Peru e fala de ferrovias, rodovias e hidrovias”, A Critica, 12 de noviembre 2013. Disponível em: http://www.acritica.net/index. php?conteudo=Noticias&id=102315 [71] “Una obra faraónica pero necesaria: el tren Perú-Brasil”, Andina, 17 de septiembre 2007 Disponível em: http://blog.pucp.edu.pe/item/14046/ una-obra-faraonica-pero-necesaria-el-tren-peru-brasil

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

2.8 - Descontentamento social Em 22 de novembro de 2013, com a presença de funcionários da Oficina de Diálogo 72, do prefeito de Sechura, de representantes de organizações sociais de base, da Defensoria do Povo e do Ministério de Energia e Minas, foi realizada uma reunião para tratar da controvérsia gerada na pequena enseada (caleta) de Puerto Rico, pelo não cumprimento das condicionantes sociais e ambientais por parte da Mineradora Miski Mayo. A demanda era a paralisação imediata [72] “La Presidencia del Consejo de Ministros (PCM) ha impulsado la creación de la Oficina Nacional de Diálogo y Sostenibilidad (ONDS), mediante la promulgación del D.S. Nº 106-2012-PCM del 25 de octubre del 2012. Esta la constituye como órgano técnico especializado de la PCM y; en el ámbito de sus competencias, le asigna la responsabilidad de conducir los procesos de diálogo con diversos actores sociales, representantes de instituciones privadas y funcionarios públicos con la misión de gestionar las diferencias, controversias y los conflictos sociales en el país. Esta Oficina toma la experiencia de la sociedad civil, de los diferentes sectores y niveles de gobierno, así como del sector privado, para desarrollar un nuevo enfoque que privilegia intensamente el diálogo y la aplicación de estrategias de prevención, renovando las modalidades y estilos de intervención, tanto desde la ONDS, a quien le corresponde un rol movilizador, como desde el Estado en su conjunto.” Disponível em: http://onds.pcm.gob.pe/

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das operações de mineração até que se respondesse às denúncias feitas. Em reunião posterior, no dia 26 do mesmo mês, foi definido que um Comitê Multisetorial de Gestão Ambiental seria formado para fazer o acompanhamento dos problemas apresentados e questionamentos feitos. Os megaprojetos aumentaram os conflitos sociais em Piura, e a Oficina de Diálogo registrou sete conflitos sociais ativos na região73. Em março de 2012 morreram duas pessoas durante os protestos sociais dos pescadores em oposição ao projeto gasífero da empresa Savia74, controlada pela Ecopetrol, da Colômbia, e Knoc, da Coréia do Sul. Na região de Piura, foram registradas quinze mortes nos protestos sociais dos últimos anos75.

[73] “En la región Piura hay siete conflictos, Sechura en la mira", Sechura Virtual, junio 28 2013. Disponível em: http://www.sechuravirtual.com/2013/06/ en-la-region-piura-hay-siete-conflictos-que-se-estan-manejando/ [74] Disponível em: http://www.saviaperu.com [75] “Conflictos sociales en Piura dejan 15 muertos a la fecha”, Diario Correo, 27 de abril 2012. Disponível em: http://diariocorreo.pe/politica/conflictossociales-en-piura-dejan-15-muertos-a-la-fecha-215973/


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU

2.9 - Áreas de conservação concedidas 2.10 Comunidade Rural Campesina + para a mineração Fundação Privada = Distrito Minerador? A costa da Baía de Sechura é uma linha permeável, imprecisa. O mar entra no continente e logo regressa. O Estuário de Virrilá, as lagoas Ramón e Napique e os Manguezais de San Pedro, no leito inferior do Rio Piura, formam um dos abrigos de aves aquáticas e migratórias mais importantes da costa pacífica sul-americana. Porém, somente os Manguezais de San Pedro contam com o reconhecimento formal através de uma declaração da Área de Conservação Municipal e como sítio Ramsar (Convenção mundial que lista as Zonas Úmidas de Importância Internacional). As autoridades regionais e locais iniciaram os trâmites para que o Ministério do Ambiente declare aquela zona como Área de Conservação Regional Comunal Humedades de Virrilá – Ramón e Napique, com superfície de 53.871 hectares, nos distritos de Sechura e Cristo Nos Valga. Entretanto, segundo a Direção Regional de Energia e Minas, os limites da área protegida proposta estão em superposição aos direitos outorgados em favor de 17 concessões de mineração, que ocupam 82,51% do total, para as empresas Fosfatos do Pacífico e American Potash. “Há um conflito de interesses no Estado: o Ministério do Ambiente acolhe a proposta de conservação, mas o de Energia e Minas dá concessões de mineração na mesma área”, comentou o biólogo Fernando Ângulo, da ONG Natureza e Cultura Internacional76, que participou da elaboração do parecer técnico.

A Vale abriu o caminho para novos megaprojetos, uma vez que o modelo de relação contratual estabelecido para a extração do fosfato de Bayóvar foi replicada nos demais projetos. A empresa Cimentos Pacasmayo, do Grupo Hotchschild, e seus parceiros Mitsubishi77, do Japão, e Zuari, da Índia, propuseram que o projeto de mineração Fosfatos do Pacífico fosse implementado em terrenos comunitários adjacentes à mina Bayóvar e próximo ao estuário de Virrilá. Rapidamente obtiveram um contrato de constituição de direitos de usufruto e servidão outorgado pela Fundação San Martin de Sechura. Para a Frente de Defesa, trata-se de uma clara usurpação, uma vez que os terrenos não pertencem a ela, conforme denuncia o documento “Observações realizadas pela Frente de Defesa da Comunidade San Martin de Sechura sobre o Estudo de Impacto Ambiental da empresa Fosfatos do Pacífico S.A.”, apresentado ao Ministério de Energia e Minas em outubro de 2013. Quem opera nessas concessões adjacentes é a canadense Focus Ventures78, através do seu Projeto Bayóvar 12, que cobre 12 mil hectares, com o sócio local Juan Paulo Quay (Grupo Romero). A American Potash, uma sociedade entre a Americas Petrogas, do Canadá, e a Indian Farmers Fertiliser Co-Operative Limited (IFFCO), da Índia, opera uma mina de salmouras (uma mistura da carnalita – minério do qual se extrai o cloreto do potássio - com outros sais) para a extração de potássio79. O mapa abaixo, da CooperAc-

[76] Disponível em: http://www.saviaperu.com

[77] “Mitsubishi invertirá US$ 128 millones en mina de fosfato de Piura", El Comercio, 5 de enero 2012. Disponível em: http://elcomercio.pe/ economia/1357146/noticia-mitsubishi-invirtio-us4612-millones-minafosfato-peruana [78] Disponível em: http://www.focusventuresltd.com [79] “Americas Petrogas e Indian Farmers se unen por cloruro de potasio", Gestión, 13 de mayo 2010. Disponível em: http://gestion.pe/noticia/477924/ americas-petrogas-indian-farmers-se-unen-cloruro-potasio

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

Mapa 1. Concessões para mineração na região de Piura. Fonte: CooperAcción

ción, evidencia que quase a totalidade da Comunidade San Martin de Sechura encontra-se sob a concessão do Ministério de Energia e Minas para atividades de mineração. Em fevereiro de 2009, a petroleira estatal Ecopetrol, da Colômbia, associou-se à Korea National Oil Corporation (Knoc), da República da Coréia, para adquirir a companhia Offshore International Group, dos Estados Unidos, proprietária da PetroTech, empresa com concessões de hidrocarbonetos no nor62

te do Peru80 que anunciou importantes descobertas em 200881. Naquele mesmo ano, foi divulgado que a PetroTech estava envolvida no chamado escândalo [80] “Ecopetrol de Colombia y KNOC de Corea compran Petro-Tech Peruanapor US$ 900 millones", Andina, 6 de febrero de 2009. Disponível em: http://www.andina.com.pe/Espanol/Noticia.aspx?id=tSXXRCzJKbc=#. UiyRZj_9Urx [81] “Petro-Tech descubre gas en el mar de Piura”, El Comercio, 25 dejunio 2008 Disponível em: http://elcomercio.pe/ediciononline/HTML/2008-06-24/ petro-tech-descubre-gas-mar-piura.html


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU dos petroaudios”82, um dos casos de corrupção mais flagrantes do governo de Alan García. Em fevereiro de 2012, aprofundando os problemas na região, a Ecopetrol e a Knoc mudaram de nome para Savia Peru e anunciaram um plano de investimentos de US$ 2,5 milhões83. Diante de todo este contexto, em março de 2012, liderados pela Frente de Defesa de Sechura, moradores deste município realizaram uma paralisação das atividades econômicas por tempo indefinido contra o projeto de exploração de gás natural offshore da Savia. A repressão policial a este protesto causou duas mortes84. A Câmara Nacional de Turismo (Canatur) denunciou a Savia por poluir as praias de Talara85. E em 10 de junho de 2013, mais de dois mil habitantes de Sechura marcharam pelas ruas de Piura em protesto contra o projeto gasífero de Punta Lagunas86.

Rejeição à exploração de salmoura A Comunidade Campesina San Martin de Sechura, os habitantes e as autoridades das povoações de Chutuque, Los Jardines, Nuevo Pozo Oscuro e Mala Vida expressam sua rejeição às atividades de exploração de salmouras a serem realizadas pela empresa American Potash Peru S.A., alegando que ela não conta com autorização da comunidade para realizar suas atividades extrativas; temem a poluição presumida da Lagoa Napique, Lagoa La Niña, Lagoa El Peñal, Lagoa de San Ramón e o manancial ou puquio de Hierba Blanca, que são reservas naturais de água; incompatibilidade das atividades de mineração da empresa com suas atividades agropecuárias e de pesca; e preocupação com a construção de um dique de 30 km aproximadamente (com mais de três metros de altura) em alguns pontos da beira do Rio Piura, o que estaria causando o represamento de águas e poderia gerar transbordamentos”. Relatório mensal de conflitos sociais 121, Defensoria del Pueblo, março de 201487

[82] “Petrotech está detrás de todo el escándalo de los Petroaudios", Terra, 30 de noviembre 2008 Disponível em: http://www.terra.com.pe/noticias/ noticias/act1528529/petrotech-esta-detras-todo-escandalo-petroaudios. html [83] “Nace SAVIA Perú para consolidarse entre los primeros productoresde crudo y gas del Perú", Comunicado de prensa de SAVIA Perú, Bogotá, 4 de febrero de 2010 . Disponível em: http://www.ecopetrol.com.co/ documentos/43856_Comunicado-_SAVIA_Per%C3%BA-04-02-10.pdf [84] “Piura: enfrentamientos dejan dos muertos en Sechura", La República, 28 de marzo 2012. Disponível em: http://www.larepublica.pe/28-03-2012/ piura-enfrentamientos-dejan-dos-muertos-en-sechura [85] “Denuncian a dos empresas petroleras por contaminar playas de Piura", RPP, 17 de octubre 2011 Disponível em: http://www.rpp.com.pe/201110-17-denuncian-a-dos-empresas-petroleras-por-contaminar-playas-depiura-noticia_413557.html [86] “Dos mil pobladores de Sechura protestaron contra proyecto gasífero Punta Lagunas”, Servindi, 10 de junio 2013. Disponível em: http://servindi.org/ actualidad/89181

Em janeiro de 2013, foi anunciada a instalação, no Peru, da “maior fábrica de fertilizantes de nitrogênio do mundo”, que converteria o país em exportador de amoníaco e ureia para a América Latina. O projeto estaria a cargo da empresa espanhola Fertiberia, líder do setor de fertilizantes na União Europeia88. A mega planta poderia produzir 800.000 toneladas de nitrato de amônia porosa para a fabricação de explosivos89. Sua localização final, diziam os porta-vozes do projeto, dependerá da localização da fonte de gás para a geração da energia necessária. [87] Reporte Mensual de Conflictos Sociales Nro. 121", Defensoría del Pueblo, marzo 2014. Disponível em: http://www.defensoria.gob.pe/modules/ Downloads/conflictos/2014/Reporte-Mensual-de-Conflictos-SocialesN-121---marzo-2014.pdf [88] Disponível em: http://www.fertiberia.es [89] Instalarán planta de fertilizantes más grande del mundo en Perú", RPP, lunes 28 de enero 2013. Disponível em http://www.rpp.com.pe/201301-28-instalaran-planta-de-fertilizantes-mas-grande-del-mundo-en-perunoticia_562182.html

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

Oposição à expansão da mineração em Sechura “Pescadores artesanais e maricultores da Baía de Sechura se opõem à implementação da segunda etapa de exploração da empresa Vale – Miski Mayo. Desde o ano de 2011, os representantes dos pescadores artesanais e maricultores, o Sindicato de Trabalhadores do Oleoduto da Petroperu, bem como as associações de maricultores, vêm se queixando à empresa e às autoridades respectivas da poluição produzida. Segundo os queixosos, a empresa estaria afetando suas plantações, as zonas de aquicultura e o ar, com grandes nuvens de pó negro gerado pelo embarque de rocha fosfórica”.

Escritório Nacional de Diálogo e Sustentabilidade da Presidência do Conselho de Ministros, Informe Willaqniki, janeiro 201490

[90] “Informe Willaqniki No 14”, Oficina Nacional de Diálogo y Sustentabilidad de la PCM, 2014 Disponível em: http://onds.pcm.gob.pe/wp-content/ uploads/2014/01/WILLAQNIKI14.pdf

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2.11 - Monoculturas para produção de agrocombustiveis O fosfato extraído em Sechura alimenta a expansão da monocultura da palmeira africana (palma do dendê) e a produção de agrocombustíveis no estado do Pará, no norte do Brasil, onde a Vale opera Carajás, a maior mina de ferro a céu aberto do mundo. Em 2013, o Brasil exportou para a China minério de ferro em um valor total de US$ 46 bilhões91. Em fevereiro de 2011, a Vale anunciou a aquisição da Biopalma da Amazônia S.A., uma empresa produtora de óleo da palma, com mais de 60.000 hectares dedicados à monocultura92. Em 2010, quando a mina Bayóvar entrou em produção, o governo brasileiro lançou o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma para promover a atividade93. Atualmente, um grupo de empresas lideradas pela Agropalma, Biopalma Vale, Petrobras/Galp, ADM e mais uma grande quantidade de pequenos proprietários ocupam cerca de 140 mil hectares no Pará. As projeções de expansão antecipam que a monocultura se estenderá a 330 mil hectares em 2020. O governo do Pará, no entanto, tem previsões muito mais ambiciosas e estima que no ano de 2022 a palma africana cobrirá 700.000 hectares, uma área similar à superfície total da Comunidade Campesina San Martin de Sechura. A partir de 2016, a Vale espera utilizar o composto B20, uma mistura de 20% agrocombustível e 80% diesel, na rede ferroviária que transporta o ferro de [91] “Entérese de la conexión directa de Brasil con China", Semana Económica, 18 de agosto 2014. Disponível em: http://www.americaeconomia.com/ negocios-industrias/enterese-de-la-conexion-directa-de-brasil-con-china [92] “Brazilian mining giant buys Amazon palm oil company", Mongabay.com, February 3, 2011.Disponível em: http://news.mongabay.com/2011/0202vale_biopalma.html [93] Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/camaras_ setoriais/Palma_de_oleo/1_reuniao/Programa.pdf


O CASO DAS EMPRESAS VALE E ODEBRECHT NO PERU Carajás até o porto de São Luís, no Maranhão94. Este projeto de ampliação da monocultura para a produção energética está gerando graves impactos ambientais nos municípios de São Domingos do Capim, Concórdia do Pará, Bujaru e Acará. Em outubro de 2014, um grupo de indígenas Tembé realizou uma série de protestos contra as atividades da Biopalma no território de Turé-Mariquita, município de Tomé-Açu, ao nordeste do Pará. De acordo com o Ministério Público Federal, os indígenas de-

nunciam a poluição da água pelos agrotóxicos, que causa a morte de animais de caça e peixes, além de um expressivo número de doenças entre eles, cujos sintomas são dor de cabeça, febre, diarreia e vômito. Estudos do Instituto Evandro Chagas (IEC) confirmaram a poluição da água dos municípios rodeados pelas plantações da Biopalma e de outras empresas. A Biopalma negou ser responsável pela contaminação da água.

[94] Disponível em: http://www.vale.com/

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MINERAÇÃO E VIOLAÇOES DE DIREITOS

CONSIDERAÇOES FINAIS A Vale, a Mosaic e a Mitsui operam em terrenos da Comunidade Campensina San Martin de Sechura já há dez anos. Enquanto as empresas obtêm exorbitantes lucros, a comunidade tem que se resignar e aceitar os impactos ambientais e sociais de suas operações de mineração. Baixos padrões ambientais, manipulação da institucionalidade comunitária e duvidosos manejos financeiros geram protestos e denúncias por parte dos moradores de Sechura. A expansão da mineração de fosfato acrescenta novas ameaças ambientais à Baia de Sechura, uma vez que duplicará a intensidade das atividades extrativas

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e logísticas. A superposição dos projetos extrativistas com atividades econômicas e as iniciativas locais de conservação vão gerar maiores conflitos. A Oficina de Diálogo monitora sete conflitos sociais ativos na região de Piura, onde foram registradas quinze mortes em protestos socioambientais nos últimos anos. O desenvolvimento intensivo da monocultura de palma africana para a produção de agrocombustíveis, cujo insumo básico é o fosfato de Sechura, ameaça a saúde e a soberania alimentar dos povos indígenas do estado do Pará.



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